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terça-feira, 23 de abril de 2024

Minha pequena – e silenciosa – cidade do Interior

22/02/2014 10h37 – Atualizado em 22/02/2014 10h37

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Djalma Weffot

  • Colaborou Bill Duque

Quando eu era menino na pequena cidade em que cresci – Presidente Epitácio/SP – fazia sucesso entre os jovens e adolescentes, especialmente nas noites de sábado e domingo, subir e descer intermináveis vezes a pé a avenida principal, no centro. Os temas das conversas naquele tempo não eram – creio – muito diferentes dos assuntos tratados nos dias de hoje: casa, pais, escola, meninas, namoro, música, esporte e os últimos acontecimentos quentes na cidade – tudo em meio a muitas ‘zoações’ – na expressão de hoje, brincadeiras e piadas. Nos fins de ano, só nesse subir e descer na avenida, com o comércio aberto à noite, decorávamos as letras dos então lançamentos musicais de Natal que vinham das lojas de discos. O mais pródigo artista nesse quesito era o ‘rei’ Roberto Carlos, o ‘inimitável’.

Das casas, vinham o som do rádio, as conversas das famílias, as brigas dos irmãos, as brincadeiras das crianças e as broncas dos pais nos filhos traquinas. O programa preferido era sentar-se na calçada para ver o movimento da rua e o sobe e desce da garotada ou parar para tomar um refrigerante no bar Haiti ou comer um sanduíche no restaurante do Espanhol.

A praça central em torno da igreja e do cine Azenha era o ponto convergente da moçada, aí incluído meninos e meninas, os meninos circulando no sentido horário, as meninas no sentido anti-horário, no que na época se chamava ‘futi’, na sua variação caipira para ‘footing’, já que a pronúncia em inglês ninguém acertava.

Não havia TV. A informação chegava sempre defasada pelo cinejornal ‘Canal 100’, de Carlos Niemeyer, pelo rádio, jornal ‘O Diário de São Paulo’, e periódicos locais, além dos dois únicos serviços de autofalante, o do ‘Zé Bolinha’, uma versão epitaciana do nosso Chacrinha, mas igualmente um grande comunicador de massa, e que informava o horário pelo seu ‘Lanco Especial’, e o do Pedro Arayan, que tinha como atração principal um locutor fanho, o Wilson Canhete com o seu inconfundível bordão ‘Quem vos cumprimenta é…”.

As lojas de discos eram a Jota&Jota, do Jaime e Josias, claro!, Discolândia, propriedade do Pedro, e, mais tarde, nos anos 70, a Tio Patinhas, do Celso Azevedo que, além da ‘Jovem Guarda’ de Roberto e Erasmo, traziam nas prateleiras as novidades nada-comportadas da Tropicália – ‘Quem lê tanta notícia?’ – perguntava Caetano Veloso com o sol batendo na banca de revista – Chico, Milton, Mutantes, Tom Zé e os imprescindíveis ídolos internacionais The Beatles, Creedence, The Mamas & The Papas, Simon & Ganfurkel, Cat Stevens…Na livraria do Tião Silva, tomávamos conhecimento dos últimos lançamentos em livros, revistas, gibis e álbuns de figurinhas.

Os únicos ruídos na cidade provinham dos foguetórios e sons dos palanques durantes as campanhas eleitorais – que não eram muitas, das festas da Praia e Nossa Senhora dos Navegantes e das caravanas que cruzavam a cidade para anunciar a chegada dos circos Rombini ou Garcia, os que mais se apresentavam na cidade. Às seis da tarde, ouvíamos o indefectível badalar dos sinos da igreja e a execução da ‘Ave Maria’ de Bach e Gounod. (Atenção funqueiros: Bach/Gounod não é palavrão e sim o nome dos autores de uma das mais belas composições da histórica da música!)

‘O tempo passa’, gritava desesperado na rádio Bandeirantes, o locutor esportivo Fiori Giglioti, outro ídolo da época, para no final da partida decretar “fecham-se as cortinas e acaba o jogo’.

E foi por causa da balbúrdia de hoje, barulho, confusão, sons, pancadões, cornetas, propaganda volante, caixas de som nas calçadas, motores e escapamentos, gritaria, faustões, bbbs, bares, restaurantes, foguetórios e buzinaços, cultos religiosos, sirenes, bombeiros, ambulância, polícia, milícia, briga, latidos, miados, berros contras crianças e animais…Por tudo isso, sim, lembrei daqueles tempos tranquilos e calmos da minha pequena cidade do Interior!

A impressão que tenho é que estou no meio de uma britadeira gigante produzida pela defasagem entre o vertiginoso crescimento da popularização dos sons eletrônicos e uma base cultural que não valoriza o silêncio e a contemplação e um sistema de ensino que não educa as atuais gerações a respeitar o ouvido alheio.

*Djalma Weffort, jornalista, é presidente da Apoena – Associação em Defesa do rio Paraná, Afluentes e Mata Ciliar

Minha pequena – e silenciosa – cidade do Interior

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