23/01/2003 08h07 – Atualizado em 23/01/2003 08h07
A comunidade Ofaié, do município de Brasilândia, está revoltada com os acontecimentos envolvendo o arrendamento de terras na aldeia. A denúncia foi apresentada à Funai e ao Ministério Público Federal na última sexta-feira por Athaíde Francisco Rodrigues, Xehitâ-ha Ofaié, que foi eleito o novo Presidente da Associação em substituição a Juracy Lins da Silva.
A nota enviada a Imprensa pelo ex-Cacique Xehitâ-ha revela o descontentamento da maioria dos Ofaié com as atitudes tomada pelo antigo diretor da Associação Indígena Ofaié e do atual Cacique da tribo que teria arrendado os cerca de 605 hectares sem o consentimento da comunidade. Segundo o novo Presidente da Associação, foram quase 20 anos de luta (…) e os Ofaié pisaram outra vez nas terras que no passado eram suas. Só que agora, a felicidade e a alegria transformou-se num grande pesadelo. Razão pela qual eles pedem providências aos órgãos Oficiais.
Um pouco da historia:
Foram necessários 24 anos de espera e muita dor. Eles eram mais de duzentos na década de 1950. Em 1978, quando foram expulsos de suas terras nas margens do córrego Sete, no município de Brasilândia-MS, eram menos de sessenta. Os mais antigos ainda guardam na lembrança quando o funcionário da Funai visitou-os pela primeira vez para dizer-lhes que deviam deixar a aldeia em que viviam há mais de um século. Transferidos para a distante Bodoquena, na região Oeste de Mato Grosso do Sul, durante oito anos em que lá permaneceram foram despedaçando, sendo mortos e morrendo, entre grileiros, índios e fazendeiros da região, pelos corredores da sorte. Até que em 1986, voltaram para Brasilândia, e com o apoio da Igreja, de entidades e de pessoas de boa vontade, iniciam uma luta pela recuperação de seu território tradicional.
Pelos escaninhos do poder, longe da justiça e ao sabor dos acordos políticos locais, viveram a mercê da sorte e do abandono. Permaneceram dez anos acampados nas margens do rio Paraná, e na foz do rio Verde –gritando ao mundo e contrariando as teses de extermínio dos anos 80: Ainda estamos vivos! E seu grito entoou alto, para além-mar, sensibilizando os donos do mundo. E eis que ao lado de uma justiça mouca à causa das diferenças étnicas, enquanto o processo Ofaié tramitava na justiça federal ao bel prazer de perícias e pareceres duvidosos, eis que a comunidade Ofaié se organiza e amplia o rol de relação com a sociedade envolvente.
Os Ofaié passam então a negociar com a Companhia Energética de São Paulo, Cesp, que inicia a construção da hidrelétrica de Porto Primavera (Engenheiro Sérgio Motta). E junto com os 2.500 km² do lago da hidrelétrica, inunda também a área onde os Ofaié viviam na margem do rio Paraná. Reclamam ressarcimento pelas perdas. Desafiam teses idealistas. Fazem-se práticos. Olham para trás e vêem o muito que já perderam. Os Ofaié olham seus patrícios a beira da extinção. Do antigo grupo que trilhou os anos de desterro na Bodoquena, só restam 16 pessoas que se misturam num grupo de 60 com Guarani, Kaiowá e não-índios. Com a intervenção de D. Izidoro Kosinski, bispo de Três Lagoas e atual presidente do regional Oeste 1 da CNBB, os Ofaié sentem-se fortalecidos. Ao lado da Drª Danilce Vanessa Arte Ortiz Camy, do Ministério Público Federal, de Mato Grosso do Sul, e de membros da então Equipe Regional do Cimi-MS, em posição de vanguarda, os Ofaié partem para a luta e garantem o seu território.
O desafio continua:
Hoje os Ofaié estão de volta nas margens do córrego do Sete em Brasilândia. Só que, segundo denúncia apresentada à Funai, a nova área está cheia de bois. Os índios que realizaram uma reunião elegendo um novo Cacique (Marcelo da Silva Lins) e um novo presidente da Associação (Athaíde Francisco Rodrigues) pedem prestação de contas do dinheiro recebido pelo arrendamento da área pela Associação, querem a terra livre do gado, querem que o Idaterra providencie mais rapidamente os projetos, pois os Ofaié precisam plantar. Pedem também um Posto Indígena no local.
Segundo o antropólogo e diácono da Diocese de Três Lagoas, Carlos Alberto Dutra, que é um estudioso do grupo e que acompanha a luta dos Ofaié há 16 anos em Brasilândia, essa comunidade esperou tantos anos para tomar posse do que é seu, e agora quando consegue entrar na sua área, logo é obrigada a arrendar a terra para conseguir dinheiro para alimentar suas famílias, enquanto os projetos de agricultura estão parados. A terra não foi preparada ha tempo para o plantio de arroz e do milho, e agora os Ofaié estão esperando o preparo para o plantio do feijão. E não é por falta de dinheiro, pois existe mais de 500 mil reais a disposição do Estado para a implantação de projetos de subsistência para os Ofaié, conclui o indigenista.





