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sexta-feira, 9 de maio de 2025

Governo Lula chega a 100 dias com popularidade alta, mas analistas acham que ainda está patinando

04/04/2003 16h09 – Atualizado em 04/04/2003 16h09

SÃO PAULO -Cem dias depois de tomar posse, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva ainda não colocou seu governo nos trilhos, segundo opinião de analistas. Porém, pesquisa CNI/Ibope revela que o presidente soube administrar seu capital político nos primeiros três meses de governo. Setenta e cinco por cento dos dois mil entrevistados, entre os dias 20 e 23 de março, aprovam a forma como o presidente está administrando o país, enquanto apenas 13% desaprovam.

É compreensível essa diferença de posicionamento entre analistas e opinião pública, afinal a máquina estatal é gigantesca – apenas metade dos 20 mil cargos de confiança foram preenchidos até o momento – e Lula enfrenta duas crises internacionais fortes, a política na Venezuela e a bélica no Iraque. A complexa estrutura governamental e a conjuntura internacional retardaram em parte a agenda dos problemas nacionais.

Os analistas políticos consultados pelo Último Segundo no fim do ano passado foram unânimes em prever que os principais desafios dos primeiros 100 dias de governo de Lula – que tomaria posse naquela semana – seriam entender a máquina de governo, fazê-la funcionar, não desestabilizar o mercado, controlar a inflação, responder os anseios de mudanças e resultados, consolidar a base do Governo no Congresso e domar os protestos da esquerda petista e do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST).

Novamente entrevistados, Gaudêncio Torquato – cientista político e professor titular da Universidade de São Paulo (USP) – e Francisco Fonseca – cientista político, professor da Pontifícia Universidade Católica (PUC) e da Fundação Getúlio Vargas (FGV) – concluem que a maioria das previsões se confirmou e pouco resultado foi mostrado até o momento.

O Governo ainda não caminha engrenado, não tem base parlamentar consolidada no Congresso, demora para enviar as propostas de reforma previdenciária e tributária, sofre pressão do MST, não conseguiu evitar o confronto dentro do próprio partido, mas inovou ao negociar sistematicamente com a sociedade, com governadores e prefeitos.

Na área econômica, o governo é conservador e toma medidas consideradas “continuístas” em relação às aplicadas pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. O temor da disparada da inflação, porém, não se tornou realidade.

Reformas

Dois pontos considerados prioridade pelo próprio governo para este ano, mas que não andam no ritmo esperado, são as reformas tributária e da previdência. O próprio ministro da Fazenda, Antonio Palocci, admitiu que o tempo de espera para que o Executivo envie as matérias para o Legislativo “chegou ao limite”.

“O presidente Lula está muito angustiado por verificar que o cronograma que havia imaginado não se confirmou. Máquina administrativa está ainda tateando à procura de um eixo”, critica Torquato.

Na opinião do especialista, o presidente deveria aproveitar os projetos já enviados na gestão Fernando Henrique Cardoso e optar por fazer emendas no Congresso. “O governo faz muitas assembléias, muitas reuniões. Lula poderia partir dos projetos que já estão no Congresso em vez de querer reinventar a roda”, diz o professor da USP.

Francisco Fonseca não considera que a demora seja negativa. Para ele, há risco de as reformas serem enviadas com pressa e terem sua eficácia comprometida. “O ritmo da tramitação de um projeto desse porte no Congresso já é demorado, mas não serve como justificativa para o Executivo mandar o texto rápido e ficar de qualquer jeito”, diz.

“Congresso, imprensa e sociedade pressionam pelos textos das reformas, mas acredito que seja uma demanda apressada. O governo Lula está cumprindo promessa de campanha de ser governo de negociação e isso leva tempo”, justifica.

Negociação

Uma análise de Francisco Fonseca que ele considera confirmada é a implantação com sucesso do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social. Ele dizia que esse grupo de trabalho criado ainda no governo de transição seria o diferencial de Lula na forma de negociar as propostas e mudanças.

O Conselho é coordenado por Tarso Genro e foi dividido em grupos temáticos. De cada grupo participam representantes de diversos setores da sociedade envolvidos com as questões a serem discutidas.

Negociação, porém, implica acordos, o que pressupõe mais tempo. Para não ser inviabilizado pela morosidade, Fonseca acredita que o Conselho conseguiu uma solução que agiliza as reuniões. “Os conselheiros usam a internet e se falam todos os dias sem necessidade de conciliar as agendas, marcar encontros nem viajar para Brasília”, afirma.

Para o cientista social, em pouco mais de três meses o grupo já apresenta resultados. “O Conselho produziu propostas, como alguns pontos da Reforma Tributária”.

Em dezembro, o analista apontou que o grupo teria de vencer a resistência dos deputados e senadores que poderiam sentir o espaço e a competência dos legisladores invadidos pelo órgão. “Temia que o Conselho se sobrepusesse ao Congresso, mas não houve esse embate. Os parlamentares não deram declarações neste sentido”, diz.

Congresso

Lula assumiu a Presidência sem uma base de apoio de 2/3 dos parlamentares – que na Câmara significam 308 deputados – necessária para aprovar as reformas. Ainda assim, já em dezembro os analistas apontavam que o presidente provavelmente conseguirá a votação por haver consenso de que as mudanças são necessárias. O problema é o preço dos votos dos parlamentares.

“O presidente está administrando o document.write Chr(39)mesãodocument.write Chr(39) no varejo”, afirma Torquato, definindo a estratégia política que ele explica como negociar voto a voto de parlamentares em troca de benefícios, como o apoio do PT a outros projetos ou até liberação de verbas. A saída para evitar essa conduta seria ampliar a base de parlamentares que votam com o Governo, sem necessidade de acordo para cada projeto.

“Na área política há uma falta de coordenação total. O (ministro da Casa Civil) José Dirceu fez um acordo com o PMDB, e o presidente desacertou (em dezembro de 2002). Os partidos não fecharam o acerto e o governo até hoje não conseguiu construir uma base política sólida”, afirma Torquato.

Em uma reunião no final de março, os líderes e os cinco governadores do PMDB decidiram que o partido apoiaria o governo no Congresso, sem integrar, porém, a máquina governamental. A postura deve ser levada ainda para discussão entre os parlamentares.

Fonseca lembra que o PMDB não é o único apoio que faltava a Lula. “A própria base que o elegeu (PT, PL, PSDC, PGT, PSB, PMN, PV, PTB, PPS, PCdoB, PCB, PDT, PHS) ainda não está acertada internamente. Há divisão de postura em alguns pontos importantes, como a autonomia do Banco Central e o apoio à política econômica que vem sendo praticada”, exemplifica.

Logo que começaram os trabalhos no Congresso, em meados de fevereiro, ficou claro que as duas principais bancadas de oposição ao governo são PSDB e PFL. Os senadores dos dois partidos conseguiram obstruir a pauta do Senado por 16 dias, porque barraram a votação da medida provisória do alongamento de dívidas de crédito rural de pequenos agricultores (MP 77), sob argumento de que a medida deveria valer também para os grandes proprietários. O líder do governo, Aloízio Mercadante, negociou a aprovação da medida, que só ocorreu em 13 de março, prometendo que seriam enviadas MPs para contemplar outros financiamentos agrícolas.

Apesar de tucanos e pefelistas serem a “oposição oficial”, as críticas mais ácidas às determinações do governo vêm do próprio PT. Os comentários daqueles ficaram quase apagados frente ao duro embate interno da legenda na primeira prova de fogo da política econômica do governo, em 22 de janeiro.

Naquela data, o Comitê de Política Monetária (Copom) fechou os olhos à posição histórica do PT e aumentou a taxa de juros. A re
ação da oposição, que era a base de apoio do governo Fernando Henrique Cardoso, foi de ironia. “A diferença entre o ex-ministro da Fazenda Pedro Malan e o seu sucessor Antônio Palocci é nenhuma”, disse o líder do PFL na Câmara, Inocêncio Oliveira, expondo a contradição com a bandeira de mudança do PT.

Os espinhos vieram do deputado João Batista de Oliveira de Araújo (PT-BA), apelidado de “Babá”. “O aumento da taxa prejudica sensivelmente a situação econômica do Brasil”, avaliou o petista. “Já disse que a diferença entre Palocci e Malan está no sotaque e na barba, porque a política econômica é a mesma”.

Pelo critério de dureza dos argumentos, a imprensa passou a repercutir decisões do governo também com alguns parlamentares petistas, o que deu a eles status de oposição.

“Os petistas que tinham opinião diferente fizeram algo que considero muito impróprio: eles se utilizaram da imprensa para criticar o governo. Mas fizeram bem em levantar os temas para debate. Acho que a imprensa tende a caricaturá-los e chamá-los de radicais”, diz Fonseca.

Os “rebeldes” do PT parecem ter sido domados na reunião do diretório nacional do partido, realizada em março, em que a política econômica do governo foi aprovada pela maioria e, portanto, deve ser acatada por todos petistas. “Os document.write Chr(39)radicaisdocument.write Chr(39) querem mais espaço no Governo, o que significa mais poder. Por enquanto, estão domados, mas Lula terá de tomar posição mais adiante e até expulsá-los do partido se continuarem na oposição”, afirma Torquato.

Existem, ainda, os outros partidos da base, como PDT, que mostram que seu apoio depende da fidelidade ao programa que elegeram. Os pedetistas cobram uma mudança de postura de Lula na área econômica até através de propagandas de televisão.

“Os maiores juros do mundo no Governo Fernando Henrique trouxeram o desemprego e o medo aos brasileiros. Foi contra essa política que o nosso povo deu um voto na esperança, um voto para Lula. Agora, a esperança de todos é que, apesar das dificuldades, Lula possa cumprir os compromissos de baixar os juros e defender o emprego dos trabalhadores. Esta é a nossa esperança, esta é a luta do PDT”, diz a inserção na TV.

Política econômica

“A inflação será o calcanhar de Aquiles do próximo governo. Se os preços aumentarem muito nos três primeiros meses, o governo vai ficar com a imagem baleada”, avaliou Torquato no fim do ano passado. A inflação medida pelo Índice Geral de Preços, o IGP-M, fechou o ano em alta de 25,31%, contra 10,38% de 2001. Neste ano, até fevereiro, o acumulado é de 4,66% e a bolha inflacionária parece ter perdido fôlego em relação aos últimos meses do ano passado.

Apesar de o pior cenário da previsão não ter se confirmado e a inflação ficar aparentemente controlada, a imagem do governo Lula sofreu desgaste. O presidente foi eleito com 61,27% dos votos válidos (52,8 milhões de eleitores o escolheram), tinha em fevereiro a confiança de 83,6% da população, segundo pesquisa Sensus, e em março sua popularidade caiu um pouco, para 78,9%. A aprovação da administração, porém, caiu ainda mais, passando de 56,6% em fevereiro para 45% em março.

“Lula inflou o balão das expectativas nas pessoas e ele está murchando por falta de ação. Ele precisa mostrar a que veio nas áreas da saúde, combate ao desemprego, na política industrial, no combate à violência”, avalia Torquato. “O governo está cheio de boas intenções e carente de grandes ações”.

Como fatores da queda da popularidade, além da morosidade em mostrar resultados e encaminhar as reformas, Fonseca aponta a frustração da expectativa de implantação de um novo plano econômico.

O governo Lula aumentou os juros nas duas primeiras reuniões do Copom de 2003 e manteve a taxa na terceira, mas com viés de alta. Todos os ministérios tiveram de apertar os cintos. Houve um corte de R$ 14 bilhões no orçamento federal para este ano, para que Palocci pudesse elevar a meta de superávit do setor público em 2003 para 4,25% do PIB, com objetivo final de diminuir a relação dívida pública/ PIB.

A idéia de Palocci seria também diminuir o resultado da conta dívida externa/ exportação. Com essas duas relações melhoradas, o ministro estima que o risco-país diminuiria e o governo poderia de forma mais sustentável diminuir a taxa de juros.

Fonseca acredita que o conservadorismo das primeiras medidas do governo é gritante, mas diz que existem indícios de que será posteriormente implantada uma nova política econômica. “Nesse primeiro momento a equipe econômica está agindo de forma continuísta. Não há grandes modificações se comparado às decisões do governo do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso”, diz.

“Isso é um problema, porque PT se opunha fortemente à política de FHC e deu margem para que vários setores da sociedade, alguns empresários e bancada chamada de radical criticassem o governo recém-empossado”, afirma o cientista político.

Segundo ele, há uma disposição genérica do governo de baixar as taxas de juros, criar empregos e exportar mais, mas nada ficou claro. “O problema é que ninguém sinaliza qual será a mudança da política econômica, como vai ser implantada, nem quando vai acontecer”.

“Existe uma falha de comunicação grave do governo. Ninguém explicita que vai haver uma transformação, mas que a demora se justifica pelo contexto internacional desfavorável (por causa da guerra no Iraque) e por as reformas não terem caminhado”, segundo o professor da PUC. Ele estima que até o fim de 2003 as duas questões estejam resolvidas e, a partir de 2004, a população possa cobrar a transformação.

Guerra no Iraque

Torquato concorda que o governo tenha agido com prudência na área econômica por se tratar de um período de instabilidades das relações internacionais. Ele acredita que a guerra pode ameaçar o Brasil, porque não deve ser curta e os capitais internacionais estarão voltados para a economia norte-americana na reconstrução do Iraque no pós-guerra. Em relação à análise de dezembro, o professor mantém, inclusive, a possibilidade de disparada da inflação.

“O País vai sofrer na economia porque o presidente Lula document.write Chr(39)puxou orelhadocument.write Chr(39) do George W. Bush ao se declarar contra o ataque norte-americano. Depois, Bush não deve ser muito solidário ao Lula, então os capitais poderão desviar do Brasil, deixar mercado intranqüilo e fazer voltar o dragão da inflação”, analisa.

Desgastes

No plano interno o governo também sofreu desgastes, principalmente com o programa Fome Zero e as ações do MST. O principal programa social de Lula sofreu com a falta de organização e ficou marcado na opinião pública por episódios caricatos, como o cheque com o cachê de Gisele Bündchen, que permaneceu mais de um mês na gaveta de sua empresária Mônica Monteiro por não ter sido aberta uma conta bancária para depositá-lo.

“O Programa Fome Zero é um ícone bem conceituado, mas de ação zero. Sobram pessoas de planejamento e faltam pessoas de ação, como gerentes e operadores”, ressalta Torquato.

Fonseca também aponta as “trapalhadas” do Programa e tenta justificar a suposta falta de ação da gestão Lula. “O Governo Federal é realidade muito complexa. Em cada Estado há representantes importantes de cada Ministério, mais as fundações, autarquias, a Polícia Federal, a Receita Federal, agências de controle. Apenas metade dos 20 mil cargos de confiança foi preenchida até agora”, relativiza o professor da PUC.

O MST logo deixou claro que não vai dar trégua ao governo do PT, mesmo tendo considerado o presidente Luiz Inácio Lula da Silva um aliado. Desde o início de março, o movimento promoveu invasões de fazendas, fez manifestações, ocupou sedes estaduais do Incra, agências do INSS e prefeituras.

Os sem-terra prometem acentuar as ocupações a partir de 17 de abril, data que
rememoram massacre de 19 sem-terra em Eldorado Carajás – para pressionar o Executivo a realizar a reforma agrária. “Não podemos parar tudo porque agora é Lula”, disse em março João Paulo Rodrigues, um dos dirigentes nacionais do movimento.

“O MST não pertence ao PT e precisam ser independentes para o bem da democracia. Mas com as invasões o movimento acaba dando combustível para os adversários da reforma agrária. Pode haver um desgaste desnecessário do governo”, afirma Fonseca. Ele lembra que a gestão petista sinaliza maior abertura à negociação, já que a escolha dos próprios superintendentes do Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária) passa por consulta aos sem-terra.

“Até agora, a postura do presidente foi de permissividade. Quando começar a onda de invasões o governo terá de decidir se está ao lado da lei ou da ocupação de terra”, analisa Torquato.

Novidade

Um assunto que estava fora das expectativas para os 100 primeiros dias e que foi posto à mesa nesse governo, segundo Fonseca, é o papel dos Estados e municípios na Federação.

“Lula e os ministros se reúnem constantemente com os governadores e com os prefeitos. Isso mostra que há disposição de entrar em acordo sobre qual os limites e funções de cada ente no Pacto Federativo”, avalia o especialista. Apesar de estar ainda “em estágio embrionário”, a revisão do Pacto Federativo deve redefinir os serviços de responsabilidade de cada esfera governamental e a divisão dos impostos arrecadados.

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