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quinta-feira, 26 de junho de 2025

Lula intervém na política externa para evitar crise

09/10/2003 09h58 – Atualizado em 09/10/2003 09h58

Irritado, segundo um de seus assessores, Lula chamou os ministros para determinar um ” discurso único ” sobre a Alca. O presidente avisou aos ministros descontentes que o tom da política externa do governo deve ser o adotado no palácio do Itamaraty do Ministério das Relações Exteriores, informou o assessor.

” Ficou combinado que haveria uma presença maior do presidente Lula na questão, porque ela é de natureza política ” , disse o ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, ao relatar um almoço, ontem, de que participou, no Planalto, com Lula e os ministros do Desenvolvimento, Luiz Furlan, da Fazenda, Antonio Palocci, da Casa Civil, José Dirceu, e do Trabalho, Jacques Wagner, além do assessor internacional, Marco Aurélio Garcia.

O ministro da Agricultura, Roberto Rodrigues, que, com Furlan, criticou publicamente a atuação do Itamaraty na Alca, não participou porque havia viajado ao Uruguai para uma reunião do Mercosul. As queixas de Furlan e Rodrigues de que não tiveram informações sobre o andamento das negociações levaram Lula a decidir que haverá contatos mais freqüentes entre os ministros nas discussões da Alca.

” A tática negociadora, em última instância, têm de ser de alguém; não dá para ter três, quatro, cinco ficarem discutindo a tática ” , disse Amorim ao Valor, antes de ir ao almoço no Planalto. ” Se (a tática negociadora) passar para outro lugar, tem de ficar toda nesse lugar ” , acrescentou. Amorim, na véspera, havia telefonado a Rodrigues, para conversar sobre as críticas à condução das negociações pelo Itamaraty, e, ontem, telefonou a Furlan, para falar das queixas do ministro também publicadas nos jornais. ” Se fosse mudar nossas posições em matéria de agricultura ou investimento, naturalmente teria de consultá-los ” , explicou ao Valor. ” Mas nunca consultei alguém durante a formação do G-20, se devia ou não deixar entrar a Indonésia no grupo; essas coisas fazem parte da essência do trabalho da política externa ” , disse, comentando as negociações da OMC, em Cancún.

Amorim disse, porém, concordar com os outros ministros, de que haveria necessidade de maior comunicação. Isso só não ocorreu devido ao grande número de tarefas na política externa, que o obrigaram a mergulhar numa sucessão de viagens e compromissos, justificou o ministro. ” Se cabe uma autocrítica, é de não ter mais rapidamente avisado a eles o que ia se passar e o que não ia, para não permitir que essas distorções chegassem a impresssonar as pessoas ” , concluiu.

No almoço com Lula, Furlan disse representar os interesses dos setores industriais e exportadores e queixou-se de que, ao contrário do que acontecera na reunião da OMC, em Cancún, os ministros não haviam sido previamente avisados dos detalhes da estratégia brasileira na reunião de negociadores da Alca, semana passada, em Trinidad e Tobago. Cobrou maior participação do ministério na negociação.

Os termos da proposta final de negociação do Mercosul só foram decididos em uma reunião em Buenos Aires e durante o encontro de Trinidad e Tobago, sem chances de participação do ministério, apesar dos técnicos que estavam presentes, reclamou Furlan.

Amorim argumentou que não houve decisões sobre temas substanciais da negociação, mas admitiu a necessidade de aumentar comunicação entre os ministros. ” Não há nada de novo na proposta que o Mercosul apresentou, apenas traduzimos, em linguagem de declaração diplomática, o que o presidente Lula e os ministros já haviam decidido ” , relatou Amorim, à noite.

Em Trinidad e Tobago, o Mercosul apresentou uma proposta de negociação para a Alca com dois pontos principais: as ofertas de redução de barreiras tarifárias para produtos entre países em desenvolvimento na Alca não seriam estendidas aos países desenvolvidos, Estados Unidos e Canadá; e nos temas considerados ” sensíveis ” pelo Mercosul, como regras de proteção a investimentos e propriedade intelectual, e abertura para fornecedores estrangeiros em serviços e compras governamentais, não haveria acordos obrigatórios para todos os 34 países.

” A proposta do Mercosul nem impede nem obriga os países a negociar todos os temas ” , disse Amorim ao Valor. Ele rejeitou a interpretação – implícita nas críticas de Rodrigues e Furlan – de que o Itamaraty teria buscado o confronto em Trinidad e Tobago e provocado o isolamento do Mercosul. Permitir que só os países interessados firmem compromissos em determinados temas na Alca é uma proposta para tirar as negociações do impasse em que se meteram, diz o ministro.

” É uma proposta de solução. Se quisesse criar problemas, teria aumentado demandas em anti-dumping, em coisas que os EUA não podem conceder ” , comentou. Amorim diz que, como negociador experiente, poderia, se quisesse somente criar obstáculos à Alca, deixar as negociações continuarem e criar objeções e propostas para cada tema de negociação, retardando qualquer decisão sobre os textos que comporão o acordo da Alca.

” A proposta do Mercosul não impede ninguém de fazer os acordos, se quiserem ” , insiste o ministro. ” Estamos dizendo só que isso, nesse momento, é muito complexo para nós ” . Amorim informou que partiu da Argentina a proposta de tornar optativos os acordos na Alca sobre temas como investimentos, compras governamentais, serviços e propriedade intelectual. ” Não há intransigência, nem implicância, pelo contrário, há flexibilidade. Se outros países que não têm interesses tecnológicos, ou se acham impossibilitados de ter política de medicamentos, não precisam ter os mesmos cuidados que nós ” .

Amorim rejeitou também a avaliação de que o Brasil ficou isolado na reunião de Trinidad e Tobago, quando um grupo de países apoiado pelos EUA, entre eles Chile e Bolívia, associados ao Mercosul, assinou documento defendendo as propostas de preferência de Washington. ” O tal papel que nos isolou foi assinado por 13 países, não vejo como isolariam outros 19, inclusive as duas maiores economias do Mercosul ” , comentou, fazendo referência aos países do Caribe e à Venezuela, que apresentaram restrições à proposta dos EUA, de Alca ” abrangente ” , sem negociações sobre subsídios à agricultura e anti-dumping.

Fonte:IG

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