01/06/2004 08h11 – Atualizado em 01/06/2004 08h11
Está mais caro ser fiel da maior religião do Brasil. Missas de casamentos, batizados, primeira comunhão. Em dez anos, o preço dos principais serviços prestados pela Igreja Católica aumentou, em média, 580%. No mesmo período, a inflação medida pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) foi de 175,79%. A comparação pôde ser feita com base nas tabelas de preços existentes nas dioceses.
Foi na década de 70 do século passado que a Igreja Católica resolveu tabelar o preço desses serviços. Naquela época, a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) recomendou às arquidioceses que fizessem reajustes anuais, seguindo o índice que corrige o salário mínimo. Neste ano, o Congresso ainda nem aprovou o aumento de 8,30% para o mínimo, mas paróquias de todo o país já estão realizando sacramentos com preços, em média, 120% mais caros.
As igrejas suntuosas, que são as mais procuradas pelos fiéis, saíram na frente. A Catedral Basílica Nossa Senhora da Luz dos Pinhais, de Curitiba, aumentou a taxa de casamento de R$ 250 para R$ 350 na semana passada. Como só há vaga na agenda de casamentos para daqui a quatro meses, a catedral exige uma antecipação de R$ 100 na hora em que os noivos marcam a data. ‘‘Muita gente marcava e desistia sem nos avisar. Agora, quem desiste não tem o dinheiro de volta’’, avisa a secretária da igreja curitibana, Mônica Alves.
O templo mais cobiçado pelos brasilienses para casamentos, o Santuário Dom Bosco, também já reajustou a tabela, embora a Mitra Arquidiocesana de Brasília ainda não tenha repassado os preços novos. A taxa para a cerimônia de casamento custa R$ 450 e pode ser paga em duas vezes. Pela tabela do ano passado, deveria custar R$ 160.
Na opinião do professor de Sociologia da Religião da Universidade de Brasília (UnB), Eurico Cursino dos Santos, a cobrança pelos sacramentos tende a afastar as pessoas da Igreja Católica. ‘‘As taxas altas revelam que esses serviços são oferecidos só para quem tem dinheiro’’, diz.
A auxiliar de cozinha Rosemary Souza, 23 anos, bem que tentou se casar no Santuário Dom Bosco. Sonhou com tapete vermelho e com uma missa iluminada pelo famoso lustre de 7,3 mil lâmpadas que o templo ostenta no teto. Quando pediu o orçamento, desistiu. Só para acender o lustre, teria de pagar a taxa de R$ 40, mais R$ 7 por minuto enquanto as lâmpadas ficassem acesas. Resultado: o casal optou por uma cerimônia simples, em Ceilândia. ‘‘Ficou mais em conta’’, diz a noiva. ‘‘Pagaremos R$ 350, divididos em uma entrada e dois cheques pré-datados.’’
O Santuário Nossa Senhora dos Prazeres, nos Montes Guararapes, Pernambuco, é uma das igrejas mais tradicionais do país. Situada no alto de um morro, tem uma das vistas mais belas da cidade. E também as taxas mais altas. Um casamento só é realizado se os noivos desembolsarem com antecedência pelo menos cinco salários mínimos, o que, a partir de amanhã, dá um total de R$ 1.300. Esse preço não inclui a missa do padre nem a iluminação especial do templo. Caso os noivos queiram a presença do sacerdote, que é essencial na cerimônia, acrescenta-se na conta mais um salário mínimo. Para a iluminação, paga-se outro salário. Completa, a cerimônia custa R$ 1.820 somente em taxas.
O padre que administra o Santuário Nossa Senhora dos Prazeres, Tomás de Aquino, tem na ponta da língua as justificativas para os preços altos cobrados pela igreja. Ele conta que a folha de pagamento, com seis funcionários, passa dos R$ 4 mil mensais. Somente a conta de luz, diz o sacerdote, fica em torno de R$ 1,3 mil por mês. ‘‘Se a gente não pagar, não vão deixar de cortar a luz só porque aqui é a Casa de Deus’’, justifica.
Segundo o bispo dom Orani João Tempesta, membro do Conselho Econômico da CNBB, não há uma norma global que controle os preços cobrados pelas igrejas em cada região. ‘‘Cada paróquia elege seus critérios, seguindo a determinação das mitras arquidiocesanas. Mas é preciso usar o bom senso’’, reforça.
Obrigações de contribuinte
O bispo auxiliar de Brasília, dom Jésus Rocha, diz que a Igreja Católica não tem nem nunca teve caráter comercial. No entanto, ressalva que os templos não estão isentos de impostos, como o IPTU, INSS, FGTS, e outros tributos que o governo cobra dos contribuintes. ‘‘As igrejas têm funcionários e temos que seguir a lei trabalhista’’, justifica. ‘‘Se cada fiel contribuísse com R$ 1 por mês, todos os sacramentos seriam de graça. Mas quero deixar claro o seguinte: dinheiro, para nós, é o menos importante.’’
No interior é mais barato
As paróquias localizadas em municípios pobres têm tabelas de sacramentos com preços bem mais em conta. As igrejas do interior do Pará, por exemplo, cobram apenas R$ 3 por um batizado. Em Ceilândia, há padres que pedem R$ 80 para realizar uma missa de casamento e R$ 10 por um simples batizado. Ainda assim, todas aumentaram os preços desses serviços bem acima da inflação ao longo dos anos.
Veralice Cardoso de Moura, 30 anos, católica, mora em Planaltina e ainda não batizou o filho Thiago Fainisson Cardoso, 4, por falta de dinheiro. ‘‘Os padres não batizam se a gente não pagar’’, reclama.
Casados e desempregados, Maria Adriana do Nascimento, 25 anos, e Francisco de Souza Ribeiro, 25, foram a oito igrejas do Distrito Federal tentar batizar de graça o filho Adrian Lucas Souza, de 3 anos. Em duas igrejas, a secretária perguntou se haveria festa para comemorar o batizado. A mãe respondeu que não. Disse que faria apenas um ‘‘bolinho’’ em casa. ‘‘A secretária me mandou pagar o batizado com o dinheiro que gastaria com bolo’’, conta Maria Aparecida.
Por isso, o casal deixou para batizar o filho em Conceição, na Paraíba. A mãe de Francisco, Rebeca de Souza, 63 anos, mora lá. ‘‘O padre vai batizar de graça porque minha mãe paga dízimo na igreja mensalmente’’, explica o pai. Na semana passada, o casal viajou para visitar Rebeca na Paraíba. ‘‘A viagem já estava programada. Vamos aproveitar e batizar nosso filho’’, disse a mãe.
Para o Padre Gabriel Cipriani, membro do Conselho Nacional das Igrejas Cristãs (Conic), as paróquias não deveriam impor pagamento para realizar sacramentos. ‘‘A orientação é que, se puder, o fiel deve fazer uma contribuição espontânea. As famílias pobres não deveriam pagar’’, diz. O padre conta que, quando era pároco em Belo Horizonte, realizou inúmeros batizados de graça.
Fonte: Correio Web