05/12/2005 09h32 – Atualizado em 05/12/2005 09h32
RMT Online
Era por volta de 20h quando a diretora de uma escola particular da capital retornou ao local de trabalho e abriu os portões da escola para que os pais de um aluno, acompanhados de policiais, entrassem no estabelecimento de ensino. O expediente tinha sido encerrado duas horas antes. A diretora acendeu as luzes do pátio, das salas e todos passaram a vasculhar o local. Entraram em uma sala e ouviram a voz de um garoto. “Posso sair daqui, tia? Estou com medo”. Era Rodrigo, nove anos, que havia sido colocado de castigo pela professora atrás da porta da sala e esquecido por ela dentro da escola.O caso aconteceu em abril deste ano, mas só agora é revelado, depois que os pais de Rodrigo decidiram entrar com um processo contra a professora Rosa por tortura psicológica e danos morais. Os nomes citados nessa matéria foram trocados a pedido dos entrevistados.O casoRodrigo foi para a escola naquela tarde de abril para mais um dia normal de aula, na terceira série do Ensino Fundamental. Era dia de prova de matemática. O garoto conta que a prova começou e, desatento, deixou cair o apontador no chão. A professora, que as crianças chamavam de “tia Rosa”, advertiu o aluno. Algum tempo depois, Rodrigo virou-se para trás para pegar um lápis de cor emprestado de um colega. Rosa entendeu que o garoto estava colando e o colocou de castigo em pé atrás da porta da sala de aula.Acabou a prova, o sinal tocou e todos foram embora, menos Rodrigo. O motorista da van em que o garoto ia para casa cansou de esperar por ele e foi embora. A mãe de Rodrigo, em casa, estranhou a demora. Ela imaginou que o garoto estava com o pai, que chegou em casa por volta de 18h30 sem o filho.Pai e mãe entraram em desespero. A primeira providência foi ligar para a escola. Ninguém atendeu. Ligaram para o motorista da van, que informou que Rodrigo não estava na escola quando ele foi buscá-lo. Os pais de Rodrigo então chamaram a polícia. A diretora da escola foi avisada do sumiço da criança. Pai, mãe, policiais e a diretora foram para a escola e encontraram o garoto.Processo“Eu perguntei pra ele o que tinha acontecido. Por que ele estava lá e quem o mandou ficar atrás da porta?”, disse a diretora Priscila em entrevista ao RMT Online. O menino simplesmente respondeu que a “tia” o mandou ficar lá e não sair do local até ela mandar. Ele explicou o que havia acontecido e, chorando muito, voltou para casa com os pais. Antes, porém, o casal registrou queixa na delegacia contra a professora.No outro dia os pais foram até a escola conversar com a professora e cobrar uma explicação. “Ela nos disse que tudo não passou de um equívoco. Ela disse que tinha mandado meu filho voltar para a carteira, mas ele que quis ficar lá, em pé”, diz a mãe da criança. “Depois ela disse que meu filho tinha mania de se esconder e ela achou que era mais um das ‘gracinhas’ do Rodrigo e não se deu ao trabalho de procurá-lo”. O menino desmente a professora.Os pais de Rodrigo decidiram processar a professora. “Não processamos a escola porque vimos o empenho da diretora em nos ajudar. Nós percebemos que ela não sabia o que estava acontecendo com os alunos daquela professora”, explicaram os pais de Rodrigo.A diretora da escola disse que a professora era recém-contratada e que situações como essa nunca haviam acontecido. Rosa foi demitida da escola depois desse episódio. “Há males que vêm para o bem. Descobrimos, de modo nem um pouco agradável, o método da professora. Ela foi desligada do quadro de docentes”.Outro ladoA reportagem do RMT Online entrou em contato com a professora. Ela confirma que está respondendo a um processo por tortura psicológica e danos morais. “Eu não fiz nada com o Rodrigo, mas os pais e a diretora acham que eu o torturei porque o deixei ‘pensando’ na bobagem que tinha feito”.Questionada sobre os métodos pedagógicos que ela aplicava em sala de aula, Rosa disse que sempre, em 10 anos de magistério, agiu da mesma maneira e ninguém nunca reclamou. “Depois desse episódio eu não consegui mais emprego. Tenho contas a pagar e por causa de um ‘filhinho de papai’ estou passando por muitos apertos”.A professora afirmou que Rodrigo tinha mania de se esconder e por este motivo não se importou em procurá-lo. Porém, ela admite que colocou o aluno de castigo e esqueceu do garoto depois que o sinal tocou e as crianças foram liberadas para ir embora. “Pra dizer a verdade, eu esqueci que ele estava atrás da porta. De onde era a minha mesa não dava pra ver o Rodrigo. Admito que esqueci dele”.Rosa argumenta que a atitude dela foi uma resposta ao comportamento da criança em sala de aula. “Eu sempre chamava a atenção dele porque ele não parava na carteira. E em dia de prova eu não admito aquele tipo de comportamento”. A professora disse que ainda não havia chamado os pais do garoto pra conversar porque achava que “dava pra esperar até a reunião de pais”.Trauma“Rodrigo chorava e dizia que não queria ir pra escola, apesar de saber que não era mais a mesma professora. Ele ficou com medo daquela escola”, conta a mãe da criança. Por isso, os pais de Rodrigo decidiram trocá-lo de escola. A diretora Priscila explica que, apesar de Rodrigo não estudar mais lá, a escola está pagando um acompanhamento psicológico para o garoto.A psicopedagoga Maria Regina Santiago informou ao RMT Online que o menino chegou muito assustado á nova escola e teve que passar vários dias com a mãe por perto até que ele se sentisse seguro novamente.“Eu ficava a tarde toda sentada em um banco ao lado da sala dele. Se eu saísse dali ele começava a chorar. A professora teve muita paciência com ele e agora está tudo bem”, disse a mãe.Regina disse que em várias ocasiões, pediu que Rodrigo desenhasse uma escola, sala de aula ou algo que lembrava o ambiente escolar. “Todas as vezes ele desenhou uma mulher magra, alta e com uma régua em uma das mãos. Ele desenhava, em balões, a professora pensando: eu odeio essas crianças”, conta a psicopedagoga. “Ele não pode ter inventado isso. Em algum momento o Rodrigo ouviu essas palavras que ficaram marcadas no subconsciente dele”.Maria Regina explicou que esse tipo de trauma a criança pode levar pro resto da vida. “Ele poderá se transformar em um adulto inseguro e se sentir incapaz de fazer qualquer coisa se não tiver alguém dando apoio pra ele o tempo todo”.A psicopedagoga aponta uma pesquisa que mostra que a violência psicológica é pratica comum nas escolas. Segundo a pesquisa, 520 alunos foram entrevistados e 54% deles afirmaram que já receberam castigos ou apelidos que os deixaram envergonhados e humilhados diante dos colegas. Mas a principal reclamação é quando os professores gritam com os alunos. “Esse tipo de atitude tira a auto-estima da criança ou adolescente. Ele pode se sentir inferiorizado e desorientado dentro da sala de aula”, explicou.Ela informou que casos como o do Rodrigo não são comuns hoje em dia, mas ainda acontecem. Porém, na maioria das vezes, os pais nem ficam sabendo. “Essa criança terá que ser muito bem trabalhada para que não se torne um adulto com dificuldades de enfrentar situações mais difíceis na vida”.MudançasNa escola onde aconteceram os fatos, a diretora tomou duas atitudes. A primeira foi conversar com todas as crianças e orientá-las que elas contassem para os pais, coordenadores ou até para a diretora quando se sentissem mal diante de alguma coisa na escola. A outra atitude foi colocar uma fiscal de pátio que fica o tempo todo circulando nos corredores e verificando o que está acontecendo nas salas de aula. “Minha escola não se tornou um quartel, mas é melhor prevenir do que remediar”. RelacionamentoO relacionamento entre professores e alunos será tema de outra reportagem do RMT Online, na próxima sem
ana. Desta vez o enfoque da reportagem será sobre professores que foram agredidos por estudantes em sala de aula.