01/04/2006 15h13 – Atualizado em 01/04/2006 15h13
Estado de São Paulo
Certa vez, dra. Sirena e dra. Ferrara saíram de um quarto esgoelando uma à outra por discordarem do diagnóstico de uma pequena paciente. Arrancaram boas gargalhadas não só dela, como da família que estava presente no quarto da menina internada. As palhaças, ops, doutoras, continuaram com o seu trabalho visitando outros pacientes e cada vez que cruzavam o quarto da menina uma agarrava o pescoço da outra. E isso aconteceu mais de uma vez: a cada passagem das doutoras se estapeando, mais risadas.Dra. Sirena – “bom partido e encalhada” – é o palhaço-personagem de Soraya Saíde e Dra. Ferrara – “quase uma Ferrari” – é Thais Ferrara, ambas integrantes da companhia teatral responsável pelos risos de crianças internadas em hospitais, Doutores da Alegria, que hoje estréiam o seu primeiro espetáculo infantil, Vamos Brincar de Médico, no Teatro Alfa.”O espetáculo mostra um dia na vida dos palhaços e é cheio de surpresas”, conta Soraya, que, além de atriz, é coordenadora artística do grupo, responsável pela seleção e treinamento dos novos palhaços. “A idéia da peça surgiu com a curiosidade das crianças em saber como é que o palhaço foi parar no hospital. Vai apresentar todas as esquisitices dele, como dormir no armário e andar na nuvem, ações próprias do mundo da imaginação da criança”, diz o ator Pedro Pires, o Dr. Dog e diretor desse espetáculo.A encenação conta com a improvisação ao interagirem com o público, com base no texto escrito por Soraya. A atuação dos ‘médicos doutores em besteirologia’ nos hospitais é toda feita, também, em cima de projetos artísticos que cada dupla desenvolve no início de cada ano. Aí, sim, sobre esse projeto, sairão as gags e os improvisos de cada cena exclusiva para cada quarto. “Não se improvisa do nada, mas sim a partir do repertório que cada ator possui em sua bagagem”, explica Pires, que desde 1992 é um dos doutores.A HISTÓRIAFoi o ator Wellington Nogueira – o Dr. Zinho, “ligado em ginástica, gosta de fechar os olhos para dormir, coçar o nariz e descruzar palavras cruzadas” – que começou a organizar a estrutura, em 1991, do que hoje vem a ser os Doutores da Alegria. Ao longo dos quase 15 anos de existência, a companhia desenvolveu um método de atuação que preza pela delicadeza e sensibilidade ao lidar com crianças, principalmente para enfrentar perguntas difíceis como “palhaço, eu vou morrer?” ou broncas como “fala mais baixo, palhaço, que a minha mãe tá dormindo, pô!” Hoje, o grupo conta com palhaços também em hospitais no Rio e no Recife, somando 41 artistas no total.Uma experiência muito forte, relatada no primeiro volume do caderno anual Boca Larga, dos Doutores da Alegria, ocorreu em 2004 no primeiro dia de treinamento do Márcio Douglas (Dr. Mané Pereira). Ele e Soraya Saíde haviam sido avisados pela enfermaria que em determinado quarto havia uma adolescente com um tumor muito grande exposto na cabeça, mas, entre ouvir e ver, a situação muda. Assim que Mané entrou no quarto, desviou o olhar e foi direto para a janela, procurar o burro estacionado lá fora. Soraya, percebendo a sua dificuldade, construiu uma rápida gag (piada preparada): deu-lhe uma bronca pela má-educação e o colocou de castigo, de costas, num canto do quarto. Com isso, Douglas ganhou tempo e quando se virou, “só vi os olhos dela, o tumor tinha sumido”.



