Fruto de projeto coordenado pela servidora Aurora Silva no Campus Jardim, iniciativa já foi premiada em 1º lugar na categoria Coletivos LGBTQIAPN+
“O coletivo é um espaço onde a diversidade não é apenas respeitada – ela é celebrada, acolhida e potencializada por meio da criação coletiva e do movimento. É uma iniciativa viva que reúne juventudes diversas em torno da dança como linguagem de resistência, afeto e transformação”.
As palavras de Aurora Silva, servidora do Campus Jardim do Instituto Federal de Mato Grosso do Sul (IFMS) e idealizadora do coletivo ‘Em Que Dança Nos Metemos?’, resumem não só todo o trabalho coordenado por ela, mas também parte do simbolismo do Dia Internacional do Orgulho LGBTQIAPN+, celebrado neste sábado, 28 de junho.
“O que me motivou a criar o coletivo foi o desejo profundo de construir um espaço artístico seguro, livre e acolhedor para todos os corpos – especialmente os LGBTQIAPN+, tantas vezes invisibilizados ou silenciados. A dança, para nós, é uma linguagem de expressão, resistência e cura”.
Formado por estudantes, egressos e comunidade externa, atualmente o coletivo conta com seis participantes fixos, que integram a coordenação e as criações principais.
“Quando corpos historicamente marginalizados ocupam a cena com suas narrativas e potências, não estão apenas dançando: estão afirmando sua existência, reivindicando espaços, propondo novas formas de ver e sentir o mundo. A arte nos permite imaginar futuros mais justos e humanos e, ao mesmo tempo, transforma o presente ao abrir espaços de escuta, expressão e pertencimento”, analisa a coordenadora do coletivo.
O técnico em Informática formado no Campus Jardim do IFMS Eduardo Dutra Vareiro, 19, um dos participantes do coletivo, reforça as palavras de Aurora.
“É um espaço de acolhimento e amizade, todos ali se ajudam, se entendem e se acolhem, e não há qualquer discriminação. Você tem abertura para mostrar quem é, conversar e desabafar. É bem raro sair de um ensaio sem dar, pelo menos, uma risada, mesmo quando estamos cansados. É o lugar em que deixamos um dia ruim da porta para fora. Diria que essa experiência é o diferencial do grupo”, ressalta o jovem, que ao sair do Instituto Federal ingressou no curso de Letras da Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul (UEMS).
A iniciativa se torna ainda mais significativa por ser desenvolvida em um pequeno município de Mato Grosso do Sul. Jardim tem cerca de 24 mil habitantes, de acordo com o último censo do IBGE, realizado em 2022.
“Em regiões do interior, criar um coletivo como esse é também um ato político: de ocupação, de afeto e de reconstrução de pertencimento”, frisa Aurora.
Participação Estudantil
O ‘Em Que Dança Nos Metemos?’ é fruto da atividade de extensão ‘Temporada MMC – Mínimo Movimento Comum’, iniciada em 2024 e voltada à pesquisa e produção em videodança, com fomento de R$ 500 via edital do IFMS. O resultado dessa etapa foi o média-metragem MMC, disponível no YouTube, que circulou pelas escolas de Jardim por meio do projeto Andanças, com aporte municipal de R$ 15 mil (Lei Paulo Gustavo).
A continuidade ocorreu com a ação ‘Em Que Dança Nos Metemos? – A Dança Não Para!’, com foco no ensino de dança contemporânea, iniciativa que também contou com o apoio do IFMS e teve a participação de três estudantes bolsistas, o que é extremamente valioso, na avaliação de Aurora.
“Ter estudantes bolsistas reafirma o êxito e fortalece a permanência desses jovens no ambiente acadêmico e cultural. Além do apoio financeiro, a experiência oferece vivência prática na produção artística e na gestão cultural – algo que amplia as perspectivas profissionais e gera um sentimento de pertencimento aos projetos”, ressalta.
Aurora faz questão de envolver os estudantes em todas as etapas da ação, desde a produção até a realização das atividades, transformando cada projeto em uma experiência formativa completa e oportunizando vivências reais na área de produção cultural.
“Isso é algo extremamente importante para jovens que muitas vezes estão tendo seu primeiro contato com o universo da gestão artística. Essa dinâmica cria um ciclo potente: escrevemos, conquistamos os recursos, executamos juntos e, com isso, promovemos não só ações culturais, mas também formação cidadã e profissional para os participantes”.
Eduardo foi um dos bolsistas do projeto em 2023. Uma oportunidade para ampliar o conhecimento sobre a dança, até então apenas um hobby.
“Estudamos teoria, alguns aspectos da dança, a diferença de videodança e vídeo de dança. Aprendi desde as técnicas de filmagem, até mesmo a forma como os espetáculos são formados, montados, tudo”, elenca.
Com o avanço das atividades, ficou evidente para Aurora a necessidade de um espaço contínuo de criação, acolhimento e escuta – especialmente para os corpos dissidentes, plurais e LGBTQIAPN+ envolvidos.
“Foi nesse contexto que o coletivo nasceu: como resposta à potência criativa que emergiu do projeto, mas também como um gesto político e poético de permanência. Uma relevante iniciativa de formação, criação e difusão cultural no estado, e que hoje caminha com autonomia. Dei a faísca, mas o fogaréu agora são eles”, relembra a servidora do IFMS.
Entre as conquistas do coletivo, destacam-se:
- Contemplado com R$ 10 mil para a realização da temporada Movicidade – Corpos Poéticos (Lei Paulo Gustavo – Municipal);
- Premiado como o 1º Ponto de Cultura da Mesorregião Sudoeste, com premiação de R$ 15 mil;
- Premiado em 1º lugar na categoria Coletivos LGBTQIAPN+, em edital estadual, com valor de R$ 5 mil.
Aurora avalia que a receptividade da comunidade do Campus Jardim tem sido muito positiva. O projeto recebe apoio da direção do campus, que reconhece a importância das ações para a formação cidadã e cultural dos estudantes.
“A comunidade acadêmica também é diretamente impactada pelas atividades: sempre há interesse, participação e engajamento, tanto de estudantes quanto de servidores. Essa rede de apoio institucional e o envolvimento de todos são fundamentais para que os projetos não apenas aconteçam, mas ganhem sentido e continuidade”.
Fomento
Um dos grandes propulsores dos projetos e seus desdobramentos é o aporte financeiro proveniente de diferentes esferas do poder público.
“Além do apoio do IFMS, também buscamos recursos em editais municipais e estaduais de cultura, o que exige planejamento e dedicação na formulação dos projetos, inscrição nos editais e acompanhamento dos processos”.
Em 2023, segundo a coordenadora, foi obtido fomento de R$ 10 mil para ações culturais voltadas à juventude. Já em 2024, esse valor subiu para R$ 40 mil, com a aprovação de novos projetos em editais estaduais e municipais.
“Em 2025, até o momento, já somamos R$ 105 mil em recursos investidos nas atividades que envolvem o coletivo e outros projetos culturais que coordeno. Esse montante reflete não apenas o fortalecimento da rede de apoio, mas também o reconhecimento da relevância das nossas ações para a comunidade local e para o cenário cultural do estado”.
Entre as iniciativas realizadas está o ‘Projeto CineTrans – Cinema em Trânsito’, voltado à diversidade sexual e de gênero, que promove a exibição de filmes com temática LGBTQIAPN+ em escolas e instituições de Jardim. Desenvolvido em parceria com o professor Daniel Ruiz, o projeto se destaca por levar narrativas diversas e representativas a espaços educativos, estimulando o debate sobre diversidade, inclusão e respeito.
Com um aporte de R$ 100 mil via edital da Fundação de Cultura de Mato Grosso do Sul, o espetáculo ‘Transeuntes – As ruas estavam vazias, mas contavam histórias’ (disponível no YouTube) circulará neste ano em cinco campi do IFMS, levando a mensagem e a poética do grupo para outras comunidades escolares.
Os planos para 2025 também incluem a próxima edição do ‘Sarau IPÊ – Arte e Cultura LGBTQIAPN+’, evento que celebra a diversidade por meio de performances, poesia, dança, além de troca afetiva e política.
Nome Social
Antes de entrar no IFMS, Aurora já estava envolvida com o universo da arte como conselheira municipal e estadual de cultura, parecerista em editais culturais, gestora e produtora cultural, escritora, professora e artista.
Enquanto mulher trans, tomou posse no cargo de Assistente de Aluno do Campus Jardim em 2023, já utilizando o nome social, direito regulamentado a servidores, estudantes e demais usuários no âmbito da instituição.
“Quando me inscrevi para o concurso, eu já estava em processo de retificação de nome e gênero. Tomei posse utilizando o nome social, o que foi essencial para que eu fosse tratada com respeito e reconhecida da forma como me identifico. No crachá, por exemplo, já veio com o nome correto, o que demonstrou sensibilidade por parte da equipe naquele momento inicial”, relembra.
No entanto, Aurora relata que já enfrentou dificuldades em questões administrativas e episódios de preconceito explícitos e velados.
“Sinto que, embora o nome social seja um direito garantido, a instituição ainda pode avançar muito nesse campo. Não acredito que seja por má fé, mas por falta de formação e preparo. As pessoas precisam aprender, e isso só será possível com capacitações contínuas, campanhas educativas e ações específicas voltadas à diversidade e à inclusão. É necessário transformar a estrutura para que ela abrace todas as identidades com respeito e legitimidade”.
O Regulamento do Uso do Nome Social no IFMS foi publicado em 2016, e passou por uma atualização em 2023. De acordo com a Coordenação de Inclusão e Diversidade (Coidi), as atualizações visam alinhar terminologias e conceitos às discussões atuais, tornar o texto mais claro e aplicável, e adequá-lo à legislação vigente.
Entre as principais mudanças, destacam-se:
- A garantia do direito ao uso do banheiro por pessoas trans;
- A formalização do uso do nome social, com procedimentos definidos para solicitação, comunicação aos setores e atualização nos sistemas acadêmicos;
- A adoção exclusiva do nome social em documentos internos;
- A previsão de mediação institucional em casos de conflito entre estudantes menores de idade e seus responsáveis, com possibilidade de encaminhamento aos órgãos de proteção dos direitos da criança e do adolescente.
Atualmente, de acordo com a Coidi, o IFMS possui 21 estudantes com nome social registrado.
Diversidade
No país com o maior número de homicídios e suicídios de pessoas LGBTQIAPN+ (dados do Observatório do Grupo Gay Bahia), e que pelo 16º ano consecutivo foi considerado o lugar em que mais se mata pessoas trans no planeta (só em 2024 foram 122 assassinatos, segundo dossiê da Associação Nacional de Travestis e Transexuais), é cada vez mais fundamental e urgente promover a diversidade, inclusão e respeito.
Um dos meios de se concretizar isso é por meio de eventos como a maior parada mundial pela diversidade no mundo, realizada na cidade de São Paulo (SP), e cuja 29ª edição ocorreu no último domingo, 22, na Avenida Paulista.
O IFMS, enquanto instituição pública de ensino que tem a missão de formar profissionais humanistas e inovadores, e tendo o compromisso social como um de seus valores, fomenta iniciativas como essa em Jardim e tantas outras desenvolvidas nos demais campi, contribuindo para que a sociedade se torne mais justa e igualitária.
Neste ano, pela primeira vez, a Semana da Diversidade LGBTQIAPN+ foi instituída como evento sistêmico institucional. Sete campi submeteram propostas no edital de fomento para realização das atividades.
Em Ponta Porã e Três Lagoas, o evento está sendo realizado nesta semana. Em Jardim, ocorrerá no início de setembro, sob coordenação da servidora Aurora. Confira as datas previstas em cada local:
Campus | Coordenador(a) | Nome do Evento | Data prevista |
Campo Grande | Flavio Rocha | Semana da Diversidade LGBTQIAPN+ | 22 a 27/09 |
Corumbá | Ricardo Tomitan Kushikawa | Semana do Orgulho LGBTQIAPN+ do IFMS Campus Corumbá 2025 | 01/07 |
Coxim | Gesilane Maciel Jose | Além do arco-íris: diversidade e inclusão no contexto educacional | 13/08 a 19/12 |
Jardim | Aurora Silva | Cores de Luta, Tons de Amor | 01e 02/09 |
Nova Andradina | Ricardo Caramit | Semana da Diversidade LGBTQIAPN+ 2025 do IFMS Campus Nova Andradina | 05/11 |
Como mensagem final, em alusão ao Dia Internacional do Orgulho LGBTQIAPN+, Aurora deseja semear vivências num mundo sem medo, e o orgulho de ser quem se é, traçando um caminho de autoaceitação e de aceitação social.
“Não há nada mais bonito e libertador do que ser você mesma, em qualquer momento, em todos os lugares. Quanto mais você se ama, mais as pessoas ao seu redor também passam a te respeitar, a te admirar e a reconhecer seu valor. Que a gente confie mais em nós mesmas, na nossa capacidade, na nossa potência. Porque todos os espaços são nossos também. Nós podemos e devemos acessá-los — com orgulho, com coragem e com amor”.
Serviço
A Coordenação de Inclusão e Diversidade é ligada à Pró-Reitoria de Extensão do IFMS e pode ser contactada por meio do endereço eletrônico [email protected].
E quem quiser saber mais sobre o ‘Em Que Dança Nos Metemos?’, basta acessar o perfil do coletivo no Instagram.