Histórias como a de Adriano Cheiroso revelam que, por trás da dor estampada nas ruas, existem vidas que um dia sonharam — e que ainda podem ser resgatadas
Nesta quinta-feira, as redes sociais de Três Lagoas foram tomadas por fotos e comentários sobre um personagem já familiar para quem cruza diariamente a avenida Filinto Muller: o morador de rua conhecido como Adriano Cheiroso. Durante meses, Adriano transformou o canteiro central da via em sua casa improvisada, primeiro sob a proteção frágil de folhas de uma árvore, depois dentro de uma barraca de camping que apareceu graças à generosidade de alguém comovido com sua situação.

De aparência marcada pela falta de higiene — barba longa, cabelos desgrenhados, roupas sempre sujas — Adriano vivia do que os motoristas lhe entregavam quando o sinal fechava. Sem causar confusão, permanecia ali, silencioso, quase invisível, mas também impossível de ignorar. Sua presença dividia opiniões e mobilizou debates nas redes sociais, chamando a atenção de autoridades e despertando um sentimento coletivo de urgência.
O vereador Fernando Jurado conseguiu localizar a família, no Rio Grande do Sul, para relatar o estado em que Adriano se encontrava. E, preocupado com a integridade física e emocional do jovem, o prefeito Dr. Cassiano Maia passou a monitorar o caso de perto, providenciando exames, acompanhamento médico e até consultando a Justiça sobre uma possível internação clínica. Na manhã de hoje, o prefeito e sua equipe recolheram a barraca e os poucos pertences do rapaz, que ficarão guardados até que ele conclua o tratamento.
UMA HISTÓRIA QUE NÃO COMEÇA NA RUA
A situação de Adriano é impactante — mas está longe de ser única. Três Lagoas enfrenta o crescimento acelerado da população em situação de rua, um reflexo direto do avanço econômico da cidade e de problemas que se entrelaçam: dependência química, transtornos mentais, vulnerabilidade social. A ocupação irregular da Lagoa Maior por barracas é apenas um dos sinais de um problema que demanda respostas urgentes e humanas.
Mas, entre todas essas histórias, a de Adriano ganhou uma nova luz quando sua família decidiu falar.
A irmã, Andriele, emocionada, contou ao Perfil News que “é uma honra poder mostrar que ele não está nesta situação por vontade própria”. E pediu algo simples, mas profundo: compreensão.
O MENINO ESTUDIOSO QUE SONHAVA EM SER AGRÔNOMO
Adriano Dias dos Santos nasceu em 1993, em Novo Hamburgo (RS), e cresceu em Caiçara, uma cidade pequena, onde era conhecido como um jovem educado, estudioso e dedicado. As boas notas o levaram a conquistar uma bolsa pelo Enem para estudar Agronomia na Universidade Federal de Santa Maria.
Foi lá que os primeiros sinais surgiram: confusão mental, lapsos de memória, episódios de desorientação. A família, sem saber ainda o que enfrentava, cogitou uso de drogas — um estigma comum e doloroso para quem convive com transtornos mentais. Adriano trancou o curso e se mudou para Florianópolis, onde trabalhava em telemarketing. Ali, viveu seu primeiro surto: desapareceu por quatro dias e reapareceu, sozinho, na casa dos pais, completamente desestabilizado.
Vieram então várias internações compulsórias, suspeitas de dependência alcoólica, episódios de agressividade e momentos em que ele dizia ser perseguido ou assumia outras personalidades. O diagnóstico definitivo chegou apenas depois de uma internação no Hospital São Pedro, em Porto Alegre: esquizofrenia paranoide.
Com a medicação correta, Adriano teve um período de estabilidade — até 2018, quando o pai faleceu. A perda emocional foi acompanhada de um descuido com o tratamento. Ele deixou de tomar os remédios, entrou em novo surto e desapareceu novamente. Desde então, sua família viveu anos de angústia, sem saber se ele estava vivo. Até que um telefonema mudou tudo.
DO DESAPARECIMENTO AO REENCONTRO
Uma assistente social de Três Lagoas entrou em contato: havia um morador de rua com as características de Adriano. Mesmo tomado pela bebida, frágil e em completo desequilíbrio mental, ele estava vivo.
Foram mais dois anos de sofrimento, riscos constantes — inclusive quase perder a vida em uma briga com outros usuários — até que pessoas da cidade decidiram ajudar. E, a partir desse gesto, uma nova chance começou a surgir.
QUANDO A DOR ENCONTRA O OLHAR CERTO
Histórias como a de Adriano mostram que, por mais dura que seja a realidade nas ruas, ninguém está ali por acaso. Há sempre um passado, um nome, uma família que sente falta, sonhos que ficaram pelo caminho. Cada morador de rua carrega uma história que, se contada, se parece mais com um roteiro de cinema do que com a imagem que vemos apressados, pela janela do carro.
Três Lagoas, assim como tantas cidades brasileiras, enfrenta um desafio que vai além da segurança pública ou da assistência social: o desafio de olhar para essas vidas como vidas, não como problemas.
O vereador Fernando Jurado conversou com o Perfil News e disse estar muito satisfeito com a ação da prefeitura. Ele disse que sente que a missão foi cumprida. “Ele já está recebendo tratamento humanizado. Estou muito feliz de, ao lado do prefeito Cassiano Maia, ter dado oportunidade de tratamento a este homem e também colaborar para resolver um problema das nossos moradores”, salientou.
A história de Adriano não termina hoje — mas finalmente ganhou um capítulo de esperança. E, às vezes, é justamente isso que falta para começar a mudar tudo.


