01/06/2004 08h12 – Atualizado em 01/06/2004 08h12
Reza o ditado popular: ser avó é ser mãe duas vezes. Carinho em dose dupla para quem já criou os filhos nunca é demais. Usado para justificar a paparicação que as vovós corujas costumam dispensar aos netos, o provérbio se aplica literalmente à relação entre a gerente comercial Elizabete das Dores Sales, 53 anos, e a neta Bianca.
Filha de seu filho, o engenheiro civil Fabiano Sales de Menezes, 30 anos, e da engenheira de telecomunicações Veridiana do Vale Menezes e Menezes, 29 anos, o bebê, gerado no útero da avó, nasceu domingo, em Belo Horizonte, com 3,280 kg e 49,5 centímetros. Concebido por meio de fertilização in vitro, Bianca foi gerada através da técnica de útero de substituição, no caso o útero da avó paterna. É o primeiro caso no Brasil de utilização da técnica, que se tornou conhecida como barriga de aluguel em que a mãe biológica é a avó.
Em 23 de dezembro do ano passado, a doméstica Aparecida Fernanda da Silva deu à luz Vitória, filha do casal de advogados Miete Peixoto de Melo e Dênio Gonçalves. Amiga de Miete, Fernanda da Silva, que já tinha uma filha de 7 anos, emprestou a barriga para a amiga realizar o sonho da maternidade. O casal ainda aguarda decisão judicial para registrar a filha no nome deles, tendo em vista que a legislação brasileira não prevê casos como esse.
Bianca nasceu na noite de domingo no Hospital Vila da Serra, em Belo Horizonte. "Foi um privilégio. É gratificante poder dar esse presente ao meu filho e à mulher que ele escolheu para amar", afirmou, emocionada, Elizabete Sales. Mãe de outros dois filhos, uma moça de 29 e um garoto de 10 anos, ela disse que não pensou duas vezes quando o casal lhe procurou e perguntou se estaria disposta a ajudar-lhes. "Estou maravilhado com o nascimento da minha filha e a atitude da minha mãe. É de um altruísmo tão grande que emociona", comentou o pai, Fabiano Menezes.
Casada há seis anos, Veridiana Menezes nasceu sem útero. "Ela (a sogra) tem um coração de ouro e não poderia nos dar melhor presente", retribuiu a nora. Preparada para assumir o lugar de mãe, estimulada por hormônios, ontem ela dividia o apartamento com a sogra em convalescência do parto cesariana. Atenta às orientações da sogra, ela amamentou a filha, trocou as fraldas, experimentando a maternidade com que tanto sonhava.
"O bebê é dela. Ela é quem tem que amamentá-la. Não poderia roubar esse prazer da verdadeira mãe", ponderou a avó. Foi a sua respiração e o tic-tac emocionado do seu coração que envolveu Bianca assim que ela nasceu. De acordo com o ginecologista João Pedro Junqueira, diretor da Clínica Pró-Criar, responsável pela fertilização, o processo, autorizado pelo Conselho Regional de Medicina/MG, transcorreu de forma muito tranqüila. Apesar de estar na menopausa, Elizabete Sales teve uma gravidez tranqüila, engordou apenas nove quilos e não teve nenhuma complicação.
Até os 55 anos, informou o médico, a mulher tem condições de gerar. Há casos relatados na literatura médica de uma mulher de 63 anos, que se submeteu a processo semelhante e deu à luz os netos, na Inglaterra. "Foi a gestação mais serena que tive. Não sei se é a maturidade. A última gravidez foi há 30 anos. Meu caçula é adotado", arrematou a mãe-avó.
Casal terá que ir à Justiça para registrar a criança
O casal Fabiano e Veridiana Menezes vai ter que recorrer à Justiça para registrar Bianca como filha. Como a situação não está prevista e muito menos regulamentada em lei, os pais genéticos vão precisar de uma autorização judicial para fazer o registro civil. "Apesar de não ter acompanhado os avanços da Medicina, a Justiça tem sido muito receptiva no julgamento dos casos de gravidez através de útero de substituição", refletiu o médico João Pedro Junqueira.
O exame de DNA, confirmando os traços genéticos, deverá ser realizado para enterrar quaisquer dúvidas acerca da paternidade e maternidade da criança. O casal de advogados Miete e Dênio Gonçalves, pais de Michelli, gerada no útero de uma amiga da família e nascida em 23 de dezembro de 2003, ainda aguarda o desfecho do processo.
O Código Civil Brasileiro considera como mãe aquela que dá à luz - no caso, do útero de substituição, a mulher que emprestou a barriga para a gestação do bebê legalmente é a mãe. No caso de Bianca, no entanto, o nome de Elizabete Sales iria figurar como mãe e avó.
"Vamos curtir primeiro o momento e depois ingressar com a papelada para resolver, dentro dos trâmites legais, o mais rápido possível", afirmou Fabiano Sales. Segundo a juíza Luziene Medeiros, do Juizado da Infância e da Juventude de Minas Gerais, na ausência de uma lei que regulamente o caso, a decisão cabe unicamente ao juiz, que analisa a situação como um todo. Para não prejudicar a criança, o processo deverá correr em segredo de Justiça.
Os Conselhos Regionais de Medicina (CRM) prevêem apenas o "empréstimo" do útero entre parentes maternos de 1º e 2º graus, desde que não se caracterize um negócio. O Código de Ética, no entanto, não menciona a relação entre parentes da linha paterna com a mãe, ou seja, sogra e nora. Nos casos de útero de substituição sem que haja parentesco com a mãe biológica, como o que envolve Fernanda da Silva e Miete Melo, o CRM avaliou e autorizou o procedimento.
Fonte: Terra