04/05/2004 17h09 – Atualizado em 04/05/2004 17h09
Uma instrução sanitária para fornecer a pílula do dia seguinte a mulheres vítimas de estupro gerou uma nova queda-de-braço entre o governo chileno e a Igreja Católica. O remédio começará a ser distribuído a partir de 15 de maio a mulheres que compareçam aos consultórios ou postos de saúde e denunciem ter sofrido abusos para evitar uma gravidez indesejada, segundo a determinação do Ministério da Saúde.
O fornecimento da pílula não requer que as vítimas apresentem queixa de estupro ou estampem uma denúncia nos tribunais.
A Igreja Católica condenou a medida e fez um apelo aos prefeitos do país – encarregados de administrar consultórios e postos de saúde – para desobedecer a norma vigente. “O cidadão deve confiar no Estado e respeitar as autoridades, mas se o que mandam é contrário à ética, ele tem o direito de fazer objeção”, disse hoje o cardeal-arcebispo de Santiago, Francisco Javier Errázuriz.
Errázuriz afirmou que, com esta medida, o governo do presidente Ricardo Lagos pretende confundir a opinião pública para justificar o uso maciço da pílula como método preventivo da gravidez indesejada.
Imediatamente, o governo respondeu ao cardeal, pedindo-lhe para compreender que o trabalho do Executivo é governar para toda a população e não só para um grupo com um credo determinado.
“O trabalho do governo é se preocupar com todos os chilenos e não só com os católicos”, advertiu o porta-voz do Executivo, ministro Francisco Vidal.
Os médicos defenderam, por sua vez, a postura do governo e acusaram o cardeal Erráruriz por exercer uma “pressão indevida”. “Como católico, me sinto muito preocupado”, disse o presidente do Colégio Médico, Juan Luis Castro, que explicou que o uso do medicamento é autorizado pela Organização Mundial da Saúde (OMS).
A Igreja Católica teve uma dura queda-de-braço com o Estado chileno pela instauração da lei do divórcio, tornando-se sua principal detratora, ao chamá-la de um “câncer para a sociedade”.
Depois de mais de nove anos de debate, o Parlamento finalmente aprovou, em 11 de março passado, a iniciativa que modificou a lei de casamento civil, aplicada durante 120 anos. Só então o país deixou de ser o único no Ocidente a não admitir a dissolução do vínculo matrimonial.
A “pílula do dia seguinte” é vendida desde setembro de 2001 em todas as farmácias do país sob receita médica, com preço que oscila entre US$ 8 e US$ 10 a dose.
Fonte:AFP