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sexta-feira, 19 de dezembro de 2025

Sem-terra discutem reforma agrária através do teatro

21/01/2004 11h04 – Atualizado em 21/01/2004 11h04

O projeto Terra, Teatro e Cidadania realiza a última oficina entre os dias 15 e 21 de fevereiro no CEPEGE (Centro de Estudo e Pesquisa Geraldo Garcia), em Sidrolândia. Desde maio, participantes do MST-MS (Movimento dos Trabalhadores Sem Terra) estão aprendendo técnicas básicas de teatro com a atriz e diretora Andréa Freire. As atividades têm o apoio do Governo do Estado e da Lei Federal de Incentivo à Cultura.

Tudo começou no ano de 1999, quando o grupo Utopia de teatro, pioneiro dentro dos assentamentos rurais de Mato Grosso do Sul, começa a unir acampados e assentados em torno da arte. “Na verdade o próprio debate fica muito cansativo e através do teatro a gente consegue prender a atenção do público”, diz Jusceli dos Santos, o Garganta, 31 anos, componente do Utopia.

Para Garganta, a arte é um mecanismo que ajuda muito na permanência da juventude no campo. No começo eram apenas seis pessoas do acampamento 17 de Abril, em Nova Andradina , que mesmo enfrentando sérias dificuldades, conseguiram dar a volta por cima. E, em 2000, já com dez integrantes, caminham com os outros companheiros na Marcha Estadual do MST.

Ao longo dos 35 dias de percurso entre Bataiporã e Campo Grande, 11 mil alunos das escolas por onde passavam assistiram às apresentações. Tudo isto apesar de uma certa resistência por se tratar de um grupo teatral ligado a um movimento social, mas após a apresentação o cenário se modifica. “Num primeiro criticam porque é do MST, mas depois abrem para debate e acabam se interessando pelo que a gente faz”, afirma Edson Pereira Gregório, 18 anos, do acampamento do 17 de Abril.

Em 2001, com o risco que a Alca (Área de Livre Comércio da Américas) representava para o Brasil, surge um novo desafio para o Utopia: como trabalhar o tema para apresentações teatrais e estar preparados para esclarecer as perguntas que viriam. Surge a peça “Alcapeta”, que alcançou 15 mil espectadores. Com o sucesso surgiram convites de todo o Estado, só em Dourados, 32 escolas pediram o retorno da peça.

Dos resultados positivos, nasce o projeto Terra, Teatro e Cidadania. Desta forma começa a primeira oficina estadual, sob coordenação dos monitores Andréa Freire e Rafael Vilas Boas. Em Campo Grande, durante o mês de maio de 2003, cada regional enviou seis pessoas para se tornaram multiplicadores da idéia. Os 36 participantes ficam encarregados de realizar em suas regionais oficinas de seis dias. Cinco oficinas já foram realizadas e só estava faltando esta, a da regional Centro, que será realizada em fevereiro em Sidrolândia.

Do Utopia, agora o MST conta, também, com apoio dos grupos Águias da Fronteira, Mensageiros da Cultura, Frutos da Terra, Raízes Camponesas e Lamarca da Cultura para divulgar suas lutas.

Somando, já existem 54 peças constituídas por estes grupos. São 23 só do Teatro do Oprimido, técnica criada por Augusto Boal na década de 70, em que a peça é composta por um problema que a platéia deve resolver. “Abre-se para ver se tem condições de criar outro final, para reverter a situação”, explica Garganta. E temas não faltam para os trabalhadores adaptarem à linguagem teatral, sendo muito utilizados a discriminação, Alca, Transgênicos, violência familiar, gênero, reforma agrária e outros problemas que afetam todo o Brasil, com soluções que parte não dos atores, mas do público. O Teatro do Oprimido é utilizado em 60 países, principalmente pela América Latina, e começa a ganhar seguidores também na Europa.

Hoje, o setor de Cultura do MST-MS é composto por mais de 300 pessoas que desenvolvem atividades culturais por todo o Estado. E, nos dias 24 a 28 de março, acontecerá o Encontro Estadual do Setor de Cultura do MST, em que são esperados 250 participantes.

POESIA DO GARGANTA:

Desigualdade Social

Povo brasileiro

Pra vocês eu vou contar

À nação peço licença

Eu preciso revelar

Toda noite eu perco o sono

Com isso no pensamento:

Era um lugar desumano

Cada vez mais sofrimento

Parecia um pesadelo

Outra hora um sonho real

Eu sonhei que um país

Tinha desigualdade social

No meio da multidão

A diferença percebia

Havia discriminação

Com a chamada maioria

Se tinha muita fartura

No comércio onde eu andava

Muita gente circulando

Mas eram poucas as que comprava

Vi chegar uma criança

Logo perguntei o seu nome

Respondeu com desconfiança

E disse: moço eu estou com fome

Coloquei a mão no bolso

E lhe dei um trocado

Com jeito simples disse: moço

Ao senhor muito obrigado

Encontrei outros meninos

Bem vestidos indo à escola

Mas a frente na esquina

Havia outros cheirando cola

Conheci muitas favelas

Lá a violência era estampada

No meio a tanta miséria

E as famílias assustadas

Uma onda de seqüestro

Também trouxe aflição

Ninguém sabia ao certo

Como fazer sua proteção

Eram muitas as ocorrências

No meio a tanta denúncia

Culpados em liberdade

E o povo preso pagando culpa

Cheguei a ver quadrilha armada

Assaltando o povo de dia

E a polícia desnorteada

Sem saber o que fazia

Era tudo diferente

Na cidade havia índio

Cabisbaixo descontente

Maltrapilho feito mendigo

Conheci muitos doutores

Com seu sonho já concreto

Também vi muitos senhores

Jovens semi-analfabetos

Quase não tinham trabalho

Poucos viam o horizonte

Conheci muitos operários

Morando em baixo da ponte

Tinha hotel cinco estrelas

E gente dormindo na calçada

Quem passava ali a beira

Pouca importância dava

Em clínica particular

Era um paciente e dois doutores

Enquanto nos hospitais

Tinham milhares nos corredores

Dava medo a correria

Uma verdadeira loucura

Muitos pacientes ouvia

Pra você não existe cura

Saindo do consultório

Com uma receita e os olhos molhados

Uma mulher disse o dinheiro

É o remédio mais receitado.

Composição: Jusceli dos Santos, o Garganta de Ouro.

Acampado do 17 de Abril, em Nova Andradina (MS)

Fonte:MS Noticias

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