18/05/2009 15h38 – Atualizado em 18/05/2009 15h38
(*) Juliano Antunes Cardoso
A gramática, quando usada como ferramenta de entendimento da língua, pode ser de muita utilidade. Nosso erro tem sido transformar o estudo da gramática num processo que tem um fim em si mesmo, ao invés de vê-lo como um meio de interpretação da língua. Utilizemos então a gramática para analisar o caso de um “nomear” que tem gerado através dos tempos inúmeros sopapos, socos ou cenas poeirentas de moleques rolando no chão. O motivo disso tudo tem sido o amável dizer “filho-da-puta”. No entanto, analisemos com carinho esse palavrão já tão presente em nossos trânsitos, campos de futebol, rodas de baralhos, bares, ou seja, já devidamente instalado em cada confim de nossa vida.
Sem muitos segredos, “filho” é um substantivo masculino que vem do latim filiu e significa “descendente masculino, em relação ao pai e à mãe”. É, filho é filho. Puta…bem, o dicionário Michaelis on-line resume, com constrangimento, que puta é um substantivo feminino derivado do latim puta (é, do latim!) e significa “meretriz; mulher devassa”. Sem mistérios, filho é filho e puta é puta, e graças a esse entendimento o mundo tem sido o mundo até hoje. Mas a chave da questão está na preposição que os une. É o que vamos ver.
Segundo o mesmo dicionário utilizado, “da” significa “combinação da preposição de com o artigo ou demonstrativo feminino a”. Para ser mais claro, “da” é “de” + “a”. Agora, o crucial disso é que esse “a” é um artigo definido. O artigo definido “de modo geral, indicam seres determinados, conhecidos da pessoa que fala ou escreve” (ah, tia Wikipédia! Sempre você!). Logo, quando um mequetrefe num campo de futebol, num bar, numa assembléia geral te chama de filho-da-puta, não se preocupe! Ele não conhece sua mãe, não poderia estar usando este artigo definido. Então, você me pergunta, filho da puta não é ofensa? E eu lhe respondo: é sim, mas é uma ofensa a você e somente você.
Isso por que quando ele te chama filho da puta, ele está dizendo que você é filho daquela puta, aquele conhecida de ambos…ah! aquela puta, a putona que toda cidade tem e que já fez a felicidade de muita gente. Pois é, você não é filho dela, é? Se for, meus sentimentos, mas se não for não há motivo para exacerbações. Releve o engano genealógico. Ou melhor, vingue-se chamando filho-duma-puta. Pois aí temos a preposição “de” + o artigo indefinido “uma”. Logo, quer dizer: _eu não conheço sua mãe, mas ela é uma puta. Se quer saber, faça isso não. Deixa mãe do cara em paz, ela não tem culpa do quadrúpede que pôs no mundo.
Apaziguai-vos, então, árbitros de futebol quando marcarem um pênalti contra o Corinthians, Palmeiras, Flamengo ou São Paulo; apaziguai-vos também políticos quando se virem na propaganda eleitoral gratuita (se bem que no caso de alguns³ políticos e dos juízes que marcam pênalti contra meu tricolor, é mais o caso de filho-de-uma do que filho-da). Apaziguai-vos por que, não obstante a cria que pôs no mundo, mamãe está bem em casa.
Bem, podemos ver como a gramática pode ser de muita utilidade na preservação dos dentes (caso você tenha tempo de explicar isso tudo antes de perdê-los). Outro caso interessante seria o do filho-de-biscate ou “fi-di-biscate” como é mais falado. Será que a inexistência do artigo livra ou não as pobres mães das injúrias? Não vem ao caso agora por que não quero me alongar e também por que essa amabilidade já não está tão em voga quanto quando eu era criança. Considerando o que foi explícito aqui, nos casos de filho-de-uma-égua é porrada mesmo. Sem conversa. Como já cantou Chico Buarque: “mas se alguém me desafia e bota a mãe no meio/dou pernada a três por quatro e nem me despenteio/ Que eu já tô de saco cheio”. Eu também.
³ Isso é um sinal de ao cubo mesmo, não é nota bibliográfica.
(*) Juliano Antunes Cardoso. Graduou-se em Letras e atualmente faz mestrado, ambos na UFMS/CPTL. Pela profundidade dos temas nos quais anda gastando fosfato, nota-se que precisa urgentemente de um emprego.
