Iniciativa estimula o engajamento de todos pela cultura do respeito, equidade e não violência
O Ministério Público do Trabalho em Mato Grosso do Sul (MPT-MS) oficializou, no último dia 18, sua adesão à campanha “Você Merece um Amor Leve”, durante evento realizado na sede em Campo Grande. A atividade foi promovida pelo Comitê de Equidade de Gênero, Raça e Diversidade e marcou um diálogo profundo com as promotoras de Justiça Lívia Carla Guadanhim Bariani, Clarissa Carlotto Torres e Renata Goya, que compartilharam reflexões sobre o enfrentamento à violência de gênero.
A campanha, idealizada pelo Ministério Público Estadual, chega à sua 3ª edição com o objetivo de sensibilizar a sociedade sul-mato-grossense diante dos alarmantes índices de violência doméstica e familiar. Entre 2015 e 2024, o estado registrou 937 casos de feminicídio, sendo que 84,3% das vítimas não contavam com medidas protetivas à época do crime.
A iniciativa vem se consolidando como uma importante ferramenta de conscientização e mobilização social, levando a mensagem de que o amor verdadeiro jamais machuca – e que toda mulher tem o direito de viver sem medo, com respeito, liberdade e dignidade.
Responsabilidade coletiva
Durante o encontro, os relatos das promotoras de Justiça trouxeram à tona o impacto da violência doméstica no cotidiano das instituições públicas e na vida pessoal de servidores. Na ocasião, a procuradora-chefe do MPT-MS, Cândice Gabriela Arosio, relembrou a morte trágica da servidora Vanessa Ricarte, vítima de feminicídio, e destacou como o caso despertou um senso de responsabilidade coletiva.
“Vanessa nos colocou em um quadro de questionamento do nosso verdadeiro papel como instituição e como seres humanos. Ela estava dando sinais velados de que algo estava acontecendo, porém, infelizmente, nós não fomos capazes de enxergar e de ajudá-la. Precisamos aprender a identificar esses sinais”, disse Arosio.
Com ampla trajetória na área criminal e no apoio às vítimas de violência doméstica, a promotora de Justiça Lívia Bariani ressaltou a importância do preparo e do fortalecimento da rede de apoio às mulheres em situação de risco.
“A vítima não consegue enxergar que aquela primeira violência, seja ela psicológica ou física leve, vai progredir. A dependência emocional, hoje, é o maior obstáculo para romper o ciclo de violência. E nós, ocasionalmente, deixamos essa violência passar despercebida. Às vezes, a mulher vem contar uma questão do trabalho e ela já expõe uma situação na família. Então, por isso, as campanhas, as capacitações de quem trabalha com o público são muito relevantes”, observou.
Bariani também destacou os avanços legislativos, como a transformação do feminicídio em crime autônomo pela Lei nº 14.994/2024, com pena ampliada para 20 a 40 anos de reclusão, além da seriedade das medidas protetivas – que hoje podem ser solicitadas sem a necessidade de um registro de ocorrência policial.
Construção social: controle e desvalorização da mulher
Para a promotora Clarissa Carlotto Torres, especialista em Direitos Humanos das Mulheres, a violência doméstica é um fenômeno enraizado em desigualdades estruturais e culturais.
“A violência resulta de questões culturais e precisamos entender que esse assunto não é apenas um problema do Estado, mas da sociedade como um todo. Podemos fazer a nossa parte ensinando um filho sobre a importância de homens e mulheres serem iguais, ensinando que as mulheres podem ser o que elas quiserem, ensinando sobre a importância da divisão de tarefas do lar. A situação é muito mais profunda e diz respeito à forma como a gente pensa e à forma como a gente age. Falar sobre isso é o primeiro passo para mudarmos essa realidade”, sublinhou.
Ela também apontou que apenas 12% das vítimas de violência doméstica buscaram ajuda, segundo a última edição do Anuário Brasileiro de Segurança Pública, divulgada no ano passado.
Trauma para além de quem perdeu a vida
Em sua exposição, a promotora Renata Goya destacou a necessidade de ampliar o olhar para o impacto do feminicídio em toda a rede familiar, especialmente nas crianças que ficam órfãs. Segundo ela, o Núcleo de Apoio às Vítimas de Crimes do Ministério Público de Mato Grosso do Sul tem atuado para garantir atendimento humanizado aos familiares das vítimas.
“O feminicídio não alcança somente a vítima diretamente atingida pelo crime. Precisamos também olhar para as crianças que ficam órfãs, por exemplo. E esse é um movimento nacional de entender e de valorizar a vítima. Precisamos entender quem são todas as vítimas”, sustentou.
Além dos relatos feitos pelas promotoras de Justiça, o evento reforçou a desconstrução de mitos culturais que perpetuam o silêncio das vítimas, como “em briga de marido e mulher não se mete a colher” ou “ruim com ele, pior sem ele”. A campanha também orienta sobre os diversos tipos de violência – psicológica, física, sexual, moral, patrimonial e virtual – e enfatiza os sinais do chamado ciclo da violência: fase de tensão, explosão, arrependimento e reconciliação.
Números alarmantes
Dados do Dossiê Feminicídio do Ministério Público de Mato Grosso do Sul alertam para o aumento expressivo da violência contra a mulher e dos feminicídios consumados. De janeiro a dezembro de 2024, o estado registrou 27 feminicídios e 82 tentativas.
Já entre janeiro e maio de 2025, o dossiê aponta 14 feminicídios consumados e mais de 20 tentativas – um aumento que supera 300% em relação ao mesmo período do ano passado, quando houve três feminicídios consumados e 14 tentativas.
A culpabilização da vítima, o medo de denunciar, o apego emocional e o compromisso de manter a família unida são fatores que favorecem o índice crescente de feminicídios no país.