O ato foi uma propositura do vereador Fernando Jurado, contou com cinco palestras, depoimentos emocionantes e a apresentação de um projeto de lei
A campanha Setembro Amarelo tem como objetivo a conscientização e a importância da prevenção do suicídio. E foi com este mesmo alvo que a audiência pública proposta pelo vereador Fernando Jurado aconteceu na noite desta quinta-feira (25). Com cinco palestras e um depoimento emocionante, foi possível debater sobre esse tema tão sensível e necessário de forma leve, demonstrando que no jogo da vida, não é fraqueza pedir ajuda, mas sim uma estratégia, pois o segredo é não jogar sozinho.
A educadora em saúde, Paula Souza, iniciou o ciclo de palestras destacando a importância de falar sobre a valorização da vida na prevenção do suicídio. Jorge Fachini, do projeto “Proteção SEST SENAT”, palestrou sobre “Combate à exploração sexual infantil”. O médico psiquiatra Eder Caloi Barro explanou sobre o “Desenvolvimento socioemocional”. O psicoterapeuta Igor Queiroz Paez falou sobre a Rede de Atenção Psicossocial. E a psicanalista Raquel Santos discursou sobre romper barreiras em direção ao acolhimento.
Jurado abriu a audiência pública agradecendo a todos, “em especial aos palestrantes que dedicaram seu tempo para esta causa. Espero que ao final da audiência pública, as pessoas retornem para seus lares e rotina transformados”.
Paula Souza foi a primeira a usar a tribuna. Ela é cientista, educadora em saúde, enfermeira, mãe e esposa. Ela trouxe dados, como o de que homens são maioria nas estatísticas de suicídio em países ricos e mulheres em países mais pobres. “O número geral de suicídio reduziu cerca de 30%, mas o índice da América Latina aumentou quase 20%”, apresentou. Por fim, fez um convite: “hoje é dia de fazer uma reflexão sobre a vida e ter uma escuta respeitosa sobre tudo que iremos ouvir aqui”.
Na sequência, a técnica de enfermagem do trabalho, Elida Rosa Galvão de Paula deu seu depoimento, relatando sobre o suicídio de seu filho Guilherme: “ele passou o dia anterior comigo, fez a janta e me deu um sorriso lindo. Antes de dormir, levei um bombom pra ele. No outro dia, ele não foi para a escola e ao final do dia, quando cheguei em casa, já não tinha mais meu filho. Meu filho não demonstrou nada antes. Foi muita dor, cheguei ao fundo do poço. Mas Deus me estendeu a mão. Agradeço a todos, principalmente, aos meus amigos do trabalho, que me seguiam até no banheiro perguntando se eu estava bem”.

De toda essa história, Elida, que estava acompanhada de amigos e familiares, reforçou que é preciso olhar as coisas boas que a pessoa fez e não julgar ela apenas por um ato errado. “Hoje estou ressignificando o meu luto. Não sabemos a causa, só sabemos que ele nos deixou um legado. Eu amo meu filho. Não choro mais de tristeza, mas de saudade”, finalizou.
PROJETOS
A segunda palestra da noite foi feita por Jorge Fachini, membro da comissão do projeto “Proteção” do Serviço Social do Transporte e Serviço Nacional de Aprendizagem do Transporte (Sest/Senat). O projeto atua no combate à exploração sexual infantil. “A exploração sexual de crianças e adolescentes é uma grave violação de direitos e, muitas vezes, invisível. O Disque 100 é um canal gratuito e acessível para registro e encaminhamento de denúncias de violações de direitos”, anunciou.
Jorge trouxe dados: “foram registradas 228 mil denúncias de violência contra crianças e adolescentes em 2023. O problema é que esses dados ainda não correspondem à realidade, já que se estima que somente 8,5% das ocorrências são notificadas. Ou seja, devem ter ocorrido mais de 2 milhões de casos nesse período no país”.
O médico psiquiatra Eder Caloi usou a tribuna na sequência, explanando sobre desenvolvimento socioemocional e apresentando o modelo de Centro de Atenção Psicossocial Infanto-Juvenil (CAPS IJ): “é um serviço público de saúde mental voltado para crianças e adolescentes que sofrem com transtornos mentais graves e persistentes ou com sofrimento psíquico”. O CAPS Infanto-Juvenil atua de forma territorial, oferecendo atendimento multiprofissional, projetos terapêuticos individuais e grupos terapêuticos para os jovens e seus familiares, integrando-se à rede de saúde e outros serviços para garantir o cuidado integral.
“O objetivo é proporcionar um cuidado que respeita as especificidades da infância e adolescência, com um projeto terapêutico singular para cada paciente, oferecendo grupos terapêuticos e apoio para os adultos responsáveis, ajudando-os a lidar com as situações e a buscar estratégias de manejo. Além disso, os CAPS IJ oferecem oficinas, atividades criativas e outras ações que visam à reinserção social, ao desenvolvimento do empreendedorismo e à valorização da autoestima dos jovens”, apresentou.
AÇÕES QUE TRANSFORMAM
A quarta palestra foi ministrada pelo psicoterapeuta Igor Queiroz Paez, que já atuou como psicólogo nos serviços de acolhimento infantil, na equipe de Proteção Especial da secretaria de Assistência Social, no CAPS e na Clínica do Idoso. Atualmente, é coordenador da Rede de Atenção Psicossocial (RAPS). “Percebo que o ato de pensar tem sido um problema muito grande hoje em dia. As pessoas estão preferindo julgar do que pensar”, refletiu.
Em outras palavras: o que se vê é menos empatia nos dias atuais. “Todos querem falar, mas poucos estão dispostos a ouvir. E o maior presente que você pode dar para alguém é o seu tempo, escutando esse alguém, por exemplo”, explicou. O psicoterapeuta também trouxe dados sobre o suicídio: “mais de 700mil pessoas no mundo comentem suicídio, sendo 14 mil no Brasil, uma média de um a cada 40 minutos. A média de idade dos casos é de 15 a 29 anos, porém, estão surgindo casos com crianças de 10 a 11 anos. Nessa idade, é comum a automutilação aqui em Três Lagoas”.
Igor esclareceu mitos:
- falar sobre suicídio incentiva? Não! Falar com responsabilidade ajuda. O silêncio aumenta o risco.
- Quem quer morrer avisa antes? Não necessariamente. Podem dar alguns sinais, diretos ou indiretos.
- Suicídio é “falta de fé”? Não, é um transtorno mental, um sofrimento profundo.
Reforçando que hoje temos na rede municipal uma estrutura para atender a população, indicou alguns sinais de alerta para serem observados nas pessoas ao redor:
- Falas: “não aguento mais”, “queria desaparecer”;
- Comportamentos: isolamento, mudança de humor, despedidas;
- Físicos: perda de apetite, falta de autocuidado;
“A pessoa que comete suicídio não quer se matar, quer dar fim a dor dela, por isso, a importância da escuta, da empatia”, ressaltou. Por isso, a importância de não jogar sozinho o jogo da vida. E como ajudar na prática?
- O QUE FAZER: escute sem julgar, pergunte diretamente se a pessoa está pensando em suicídio e encaminhe para ajuda.
- O QUE EVITAR: não minimize a dor, não julgue ou culpabilize as ações dela, não provoque o afastamento e não prometa segredo se houver risco iminente.
SETEMBRO AMARELO
Finalizando o ciclo de palestras, quem falou foi Raquel Santos, psicanalista, especialista sobre a Norma Regulamentadora nº1 (NR1), que define as diretrizes gerais de segurança e saúde no trabalho (SST) no Brasil, incluindo a gestão de riscos ocupacionais (GRO) e o programa de gerenciamento de riscos (PGR).
Com o tema “rompendo barreiras em direção ao acolhimento”, fez um relato emocionante sobre a tentativa de suicídio de sua filha. “Muitas vezes tem pessoas do nosso lado que só precisam de um abraço. Fui motorista por 10 anos e, atrás do volante, eu passava um batom vermelho e fingia que estava tudo bem, mas não estava. Quem está com depressão sabe disfarçar muito bem”, destacou.
“Nunca sabemos a história que alguém está tramando em silêncio”. Com essa citação, Raquel contou a origem da campanha Setembro Amarelo: a campanha começou nos EUA, quando o jovem Mike Emme, de 17 anos, cometeu suicídio, em 1994. Mike era um rapaz muito habilidoso e restaurou um automóvel Mustang 68, pintando-o de amarelo. Seus pais e amigos não perceberam que o jovem tinha sérios problemas psicológicos e não conseguiram evitar sua morte. No dia do velório, foi feita uma cesta com muitos cartões decorados com fitas amarelas. Dentro deles tinha a mensagem: se você precisar, peça ajuda.

A iniciativa foi o estopim para um movimento importante de prevenção ao suicídio, pois os cartões chegaram realmente às mãos de pessoas que precisavam de apoio. Em consequência dessa triste história, foi escolhido como símbolo da luta contra o suicídio o laço amarelo.
PROJETO DE LEI
Finalizando a audiência pública, o vereador proponente, Fernando Jurado defendeu que o ato “não é sobre papéis, atas e afins, mas sim sobre emoções e acolhimento”. Mas que um projeto de lei de sua autoria será apresentado em breve, com principal objetivo de melhoria de uma rede de atendimento psicossocial. O PL tem o compromisso de:
- ampliar as ações de prevenção do suicídio e a auto lesão, com parcerias para inserção social e profissional de usuários da rede;
- oferecer capacitação continuada e humanizada à profissionais de saúde mental;
- implantar um CAPS 24h em nossa cidade;
- garantir psiquiatras em tempo integral nos CAPS, UPA e hospitais;
- e criar leitos psiquiátricos em hospitais públicos e privados.
“Conto com o apoio de cada um de vocês para debatermos sobre esse tema e entregarmos um projeto que nos ajude a transformar ainda mais vidas, cuidando da saúde mental dos três-lagoenses”, finalizou.



