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ARTIGO: O fenômeno social “Flanelinha”: O que fazer?

26/09/2013 16h57 – Atualizado em 26/09/2013 16h57

Claudio Guimarães

Há tempos existe um desconforto da população com o chamado “flanelinha” ou “cuidador de carros” (como se auto intitulam), prática que se dá no ato de indivíduo que se apodera de logradouro público (que chamam de “ponto”) cobrando por um “serviço de guarda” de veículos. Os motoristas são abordados, ocasião em que o “serviço” é anunciado, não restando muitas opções, pois não questiona se o motorista aceita ou não o “serviço”: para estacionar deverá pagar X quantia, deixando no ar que algo poderá acontecer caso não pague.

A prática era verificada em pontos específicos da cidade, no período noturno. Hoje se alastrou sendo encontrada durante o dia, à frente de lugares movimentados. Antes os “flanelinhas” pediam “alguma coisa” pelo “serviço”. Atualmente definem o preço, anunciando-o para o motorista na sua chegada, como prenúncio do que poderá acontecer caso discorde do pagamento. E isto tem irritado muita gente.

O ato pode resultar em alguns delitos, dependendo das circunstâncias: extorsão, constrangimento ilegal, usurpação de função pública, além de crimes de dano, lesão corporal ou até homicídio, dependendo do desfecho de algum desentendimento entre motorista e “flanelinha”. Aqui abordaremos a possibilidade da sua tipificação como extorsão, apenas quando preenchidos seus requisitos, pois o mero comportamento de estar “cuidando” carros por uma “recompensa” não possui tipificação. A extorsão está no Código Penal: Art. 158 – Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, e com o intuito de obter para si ou para outrem indevida vantagem econômica, a fazer, tolerar que se faça ou deixar fazer alguma coisa. Pena – reclusão, de 4 a 10 anos, e multa.

No ato do “flanelinha”, o constrangimento previsto na lei decorre da intimidação ameaçadora do motorista no ato da cobrança, quase sempre acompanhada da advertência: não me responsabilizo pelo que poderá acontecer. São notórios casos de motoristas que discordam do pagamento e ao retornarem, encontram seus veículos danificados havendo registros, inclusive, de agressões. A ameaça neste caso é a violência moral, que perturba a liberdade psíquica do motorista pela intimidação, revelando propósito de causar mal futuro.

A gravidade e a probabilidade deste mal, apontados na doutrina, também estão presentes: a primeira porque atinge bem jurídico relevante (patrimônio ou incolumidade física); a segunda porque não se trata de um mal possível, mas provável, além de injusto, pois jamais seria admissível se atentar contra o motorista ou sua propriedade.

Para alguns a intimidação deve ser explícita, mas doutrina e jurisprudência se flexibilizam, reconhecendo o delito ainda que a ameaça esteja implícita, não sendo essencial anuncio expresso que a discordância possa gerar retaliações.

No mais, há entendimento de que a avaliação da intimidação se faz pela vítima e não pelo acusado, dependendo da sua potencialidade. Até se admite que possa ser simbólica, bastando o comportamento do “flanelinha”, mesmo que não pronuncie qualquer palavra. Na prática sua simples presença pode ser intimidadora (muitos deixam de estacionar seus veículos quando os veem), mas isto não basta para a configuração do constrangimento, sendo necessário um comportamento suficiente para incutir medo, mesmo que indiretamente.

A pretensão de auferir vantagem econômica indevida se dá na cobrança de valor em dinheiro pelo suposto serviço: é econômica porque é patrimonial e indevida por estar em afronta com a legislação e resultar de uso de patrimônio público como se sua propriedade fosse.

Este fenômeno social onde indivíduos para incrementarem sua renda praticam tal atividade é precariamente fiscalizado, em geral ignorado e com a conivência do Poder Público, resultando perigo para os cidadãos, que esperam segurança do Estado e não de desconhecidos. Muitos praticam a intimidação, extorquindo pessoas e comprometendo o seu direito de ir e vir, prática que até se assemelha em menor escala com as milícias cariocas, onde “xerifes” na ausência do Estado cobram caro pela oferta de “segurança”.

Não questionamos que existam pessoas bem intencionadas na atividade, buscando um reforço em suas rendas. Mas a prática deve ser fiscalizada, com registro dos indivíduos, identificação (coletes, por exemplo) e definição de valores, locais e horários, com combate ostensivo à informalidade, sob pena de vermos cada vez mais pessoas extorquidas, diuturnamente. Parafraseando Castro Alves: “A praça é de todos, como o céu é do Condor” e as ruas são de todos os cidadãos de bem!

Claudio Guimarães: advogado, professor universitário, Conselheiro Estadual suplente da OAB/MS e Presidente da Comissão Permanente de Ensino Jurídico da OAB/MS.

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