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sexta-feira, 29 de março de 2024

Gravações mostram esquema de desvio de verba em hospitais de MS

06/05/2013 11h07 – Atualizado em 06/05/2013 11h07

Irregularidades vieram à tona em investigação da PF, do MP e da CGU. Ex-dirigente do HC nega fraude; ex-diretor do HU não se pronunciou.

Da Redação

Escutas telefônicas captadas durante investigação da Polícia Federal (PF), Ministério Público e Controladoria-Geral da União (CGU) reforçam as suspeitas de irregularidades no Hospital do Câncer (HC) e Hospital Universitário (HU), em Campo Grande. As gravações mostram, por exemplo, relatos sobre sessões de quimioterapia em pacientes que já tinham morrido, cobrança por tratamento contra o câncer que nunca foi realizado e o fechamento do setor de radioterapia de um hospital público para beneficiar clínicas particulares.

As irregularidades vieram à tona na operação Sangue Frio, em 19 de março. Entre os investigados estão os médicos José Carlos Dorsa Vieira Pontes, que era diretor do HU da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, e Adalberto Siufi, que dirigia o HC.

Uma ex-funcionária do HC, que não quis se identificar, afirma que muitos pacientes não recebiam corretamente os remédios para combater o câncer. Segundo ela, muitas vezes o remédio receitado tinha a dose reduzida ou era trocado pelo setor administrativo do hospital.

“O que a gente ouvia bastante na hora da compra de medicação é ‘o paciente está morrendo, não precisa fazer. Faz o soro que está bom’”, disse a ex-funcionária.

Uma conversa gravada pela PF entre a farmacêutica Renata Burale e a então administradora do Hospital do Câncer, Betina Siufi – filha de Adalberto Siufi, mostra como era decidida a medicação dos pacientes.

Renata: Estou com uma prescrição aqui de um paciente do CTI, que a médica passou um antifúngico para ele. Essa doutora Camila que passa essas coisas cabulosas.

Betina: É caro pra c… esse negócio!

Renata: Então…

Betina: Nem f…, tá? Desculpa o termo.

Renata: A hora que eu vi isso aqui, vi o preço, eu falei: nã, nã, nã, nã, nã!

Betina: Nã, nã, nã, nã, não! [risos].

A farmacêutica alegou que tem que pedir autorização. “O que acontece. Quando chega uma prescrição que a gente acha que é fora do padrão, eu tenho que pedir autorização.”

Betina Siufi não quis se pronunciar, mas o pai falou por ela. “Quando ela administrava aqui, o remédio caro ou barato, nunca importou. Tudo que foi de melhor para o paciente, sempre foi”, afirmou Adalberto Siufi.

O advogado Renê Siufi garantiu que não há ilegalidades. “Eu tenho certeza que, ao final dessa investigação, desse tumulto todo que fizeram, vai se comprovar que não teve desvio nenhum, não teve nenhum abuso, não se cometeu nada de ilegal.”

HOSPITAL UNIVERSITÁRIO

Outra gravação mostra diálogo entre José Carlos Dorsa e um médico. Os dois discutem como alterar informações sobre a morte de uma paciente.

Médico: Como é que vai descrever aquela válvula transcateter que abriu a mulher lá?

Dorsa: Como é que foi?

Médico: Fez transapical e furou o ventrículo. Põe isso?

Dorsa: Não, não põe isso. Coloca que colocamos em extracorpórea. Entendeu?

Médico: Mas nós não colocamos em extracorpórea…

Dorsa: Eu sei, mas você vai falar por que abriu o tórax? Não pode falar que furou… né?

ENCONTRO PARA BARRAR

As escutas telefônicas mostram ainda uma tentativa de impedir as investigações no Hospital do Câncer. No dia 23 de julho, o Adalberto Siufi fala com a filha. “Eu já marquei com a sua excelência, o governador. Ou ele dá um ‘stop’ nisso ou nós vamos para o pau. Porque não dá para continuar essa brincadeira, certo?”

Dois dias depois, ele diz como foi a suposta conversa com o governador do estado, André Puccinelli, e fala que este marcou um encontro entre ele e o procurador-geral de Justiça. No dia seguinte, o médico fala novamente com a filha sobre a reunião. “Fui muito bem recebido. Foi nota dez. Ele foi muito aberto, muito legal, falou que vai resolver porque um pedido do governador ele não pode dizer não.”

O procurador-geral de Justiça de Mato Grosso do Sul, Humberto Brites, confirma o encontro. “Eles vieram aqui dizer que estavam sendo perseguidos pela promotora, que eram inocentes, que nada daquilo que tava sendo veiculado era verdade e pediam providências nesse sentido”, afirmou, dizendo ainda que costuma receber investigados e que não houve interferência no trabalho da promotora.

Em nota, o governo de Mato Grosso do Sul negou que André Puccinelli tenha se reunido ou intermediado reuniões com os dirigentes dos hospitais.

OUTRAS IRREGULARIDADES

Uma auditoria feita pelo Ministério da Saúde encontrou outros problemas durante a gestão de Adalberto Siufi. Descobriu, por exemplo, que o hospital cobrava por mais sessões de radioterapia do que realmente foram feitas.

No HU, o setor de radioterapia teria sido fechado de propósito para que os pacientes fossem tratados pelas clínicas privadas do grupo investigado. Com o atendimento interrompido no Hospital Universitário desde 2005, os pacientes com câncer passaram a ser encaminhados para o Hospital do Câncer.

Em um relatório, a PF afirma que se trata de um “conluio entre Adalberto Siufi e José Carlos Dorsa para manter desativada a radioterapia do Hospital Universitário para que os pacientes fossem encaminhados ao Hospital do Câncer e, de lá, para a clínica”, do próprio Adalberto.

“As responsabilidades públicas eram deixadas de lado em prol dos próprios ganhos, da própria empresa particular”, afirma superintendente da PF em Mato Grosso do Sul, Edgar Paulo Marcon.

Em nota, o Ministério da Educação (MEC), responsável pelo HU, diz que a transferência dos serviços de oncologia foi decidida por uma comissão de gestores que reúne a secretaria estadual de e as secretarias municipais de Saúde de Mato Grosso do Sul. Mas na última terça-feira (30), o setor de radioterapia da unidade voltou a funcionar.

4 ANOS E VALORES

Segundo o secretário-executivo da CGU, Carlos Higino de Alencar, a clínica particular de Adalberto Siufi recebeu quase metade do que o Hospital do Câncer gastou entre 2008 e 2011. “Em quase R$ 25 milhões de contratos do Hospital do Câncer, temos R$ 11 milhões direcionados especificamente à empresa desse servidor”, disse.

Para o Ministério Público, o diretor do Hospital do Câncer jamais poderia ter contratado a própria clínica. “A direção do hospital contratava empresas que pertenciam à diretoria do hospital. Isso, por uma resolução feita pelo Ministério Público, é proibido”, destacou a promotora de Justiça Paula Volpe.

O médico deixou a diretoria, mas continua atendendo os pacientes no hospital. “Quem determinou quantidade de pacientes, quem determinou o número de valores repassados, diretamente com a empresa, que não fui eu. Eu não assino contrato, assino nada”, afirmou Siufi.

(*) Com informações de G1 MS

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