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quinta-feira, 18 de abril de 2024

Mau exemplo

15/10/2002 15h56 – Atualizado em 15/10/2002 15h56

José M. Passos

O novo Governo da Colômbia, que assumiu há dois meses, passou a adotar esta semana uma técnica igual à do Iraque em relação à imprensa: jornalistas estrangeiros só poderão viajar para determinadas áreas do país depois de obter uma permissão especial do Ministério de Defesa. Quem for apanhado sem esse documento será deportado.

O motivo é claro: o controle total das informações. Afinal, para obter autorização para ir àquelas regiões, os repórteres terão de dizer que tipo de reportagem pretendem fazer, que cidades visitarão e com quem querem falar. Os militares podem simplesmente negar a emissão do passe, caso não gostem da pauta do jornalista.

No Iraque, o sistema é semelhante, mas contém um ingrediente ainda mais intimidador – e que, ninguém duvida, poderá também ser copiado pela Colômbia: cada repórter é acompanhado por um supervisor, geralmente um policial do Ministério do Interior. Ninguém sai de um hotel sem essa companhia. E todas as entrevistas têm de ser aprovadas primeiro pelo acompanhante oficial. Seu poder é absoluto: se quiser trabalhar, o repórter tem de entregar a ele a sua passagem aérea. Dependendo do que for publicado – as embaixadas iraquianas monitoram o noticiário no exterior – o jornalista é gentilmente obrigado a deixar o país num vôo determinado pelo Governo.

É bem provável que o presidente colombiano, Álvaro Uribe, siga o exemplo à risca. Ele decidiu criar o que chama de “zonas especiais”, abrangendo 14 das 34 províncias (estados). Elas são administradas por um comandante militar, sob a supervisão do governador. Tratam-se das principais áreas de atuação dos guerrilheiros das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc) e dos paramilitares das Autodefesas Unidas da Colômbia (AUC) e, obviamente, as que mais atraem os repórteres. Afinal esse é o principal assunto do país: a guerra civil não declarada, e alimentada pelo narcotráfico.

O argumento oficial para tal controle é, por si só, uma ofensa aos profissionais do setor. Segundo o ministro do Interior, Fernando Londoño, a medida visa a “impedir que grupos armados façam contato com terroristas estrangeiros”. Ou seja: todo jornalista de fora é um suspeito.

Isso se deve ao fato de três irlandeses que seriam membros do IRA – o Exército Republicano Irlandês – terem sido presos meses atrás na Colômbia, sob suspeita de estarem treinando os guerrilheiros das Farc em técnicas de guerrilha urbana. Robert Ménard, secretário-geral da organização Repórteres Sem Fronteiras, está indignado com a discriminação.

  • A possibilidade de jornalistas serem impedidos de entrar nas tais zonas especiais é uma violação flagrante da Convenção Interamericana dos Direitos Humanos. O seu Artigo 13 garante a liberdade de movimentos dos repórteres – disse ele.

Ménard já enviou uma carta a Uribe, protestando contra as medidas impostas por seu Governo. No texto, ele insinuou que a Colômbia, na verdade, está pretendendo usar métodos escusos no combate à guerrilha, que assola o país há 38 anos. “Ou possíveis terroristas são impedidos de entrar naquelas zonas especiais e jornalistas obtêm permissão com base apenas em seu status profissional, ou então as atividades jornalísticas são monitoradas fazendo com que o decreto seja utilizado, na verdade, para que se faça uma guerra escondida do olhar do público”, escreveu.

Os jornalistas brasileiros agradeceriam se, dia desses, o Itamaraty se desse ao trabalho de protestar junto ao Governo da Colômbia contra essa arbitrariedade, em nome tanto dos profissionais do setor quando da opinião pública nacional. Afinal, trata-se de uma guerra que acontece no nosso quintal e, como se sabe, pode acabar invadindo a nossa praia.

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