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sábado, 20 de abril de 2024

Família de Água Clara luta para recuperar filho de oito dias recolhido pelo Conselho Tutelar

18/12/2018 15h10

Criança foi tomada dos braços da mãe no dia 14 e, desde então, pais tentam entender o motivo

Gisele Berto

Segundo os primeiros artigos da Constituição Brasileira, que não por acaso são chamados de Direitos Fundamentais, o Estado Nacional tem por obrigação dar aos seus cidadãos condições de uma vida digna.

Diz, ainda, a Carta Magna, em seu Artigo 3º, que é seu objetivo “erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais”, além de “promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação”.

No entanto, ao invés de proteger seus filhos e dar a eles condições de desenvolvimento e dignidade, a Pátria Mãe não tem sido muito gentil com um casal em Água Clara, que tenta recuperar o filho bebê, tomado dos braços da mãe há quatro dias e recolhido para um abrigo municipal.

O INÍCIO DO DRAMA

Ela tem 21 anos; ele, 27. Ele, Durico Malaquias dos Anjos Neto, é pedreiro e ela, Gracielli da Silva Rosa, trabalha com ele. Ou trabalhava, até o final de sua gravidez, que trouxe ao mundo o pequeno Heitor.

Gracielli foi vítima, em março deste ano, de uma denúncia anônima, que acabou tirando três filhos que teve com outro parceiro. As crianças, de um, três e sete anos, foram recolhidos. A menina de três anos teve a guarda repassada ao pai. Os outros foram encaminhados ao processo de adoção. A mãe recorreu da sentença, que ainda corre no Judiciário.

Gracielli engravidou enquanto tentava resgatar seus dois filhos. Mal sabia ela que o pesadelo iria aumentar.

Na última sexta-feira, 14, a Justiça de Água Clara determinou que o bebê Heitor, com apenas quatro dias de vida, fosse separado da mãe.

Com uma petição de acolhimento de recém-nascido em mãos, um oficial de justiça buscou o bebê na casa de mãe de Gracielli, onde ela o amamentava.

No processo para o recolhimento do bebê a justiça alegava que os pais não teriam condições “financeiras e psicológicas” para criar a criança.

AS ALEGAÇÕES

“O relatório diz que ela tomava bebida alcoólica de maneira imoderada. Isso é mentira. Não foi feito nenhum acompanhamento social na gravidez dela. Colocaram no relatório que ela foi vista em bares à noite com uso imoderado de bebidas, e relato de testemunha de que a teriam visto em bares. Nem um exame foi feito, nem de graduação alcoólica, nem toxicológico, nem psiquiátrico”, contou a irmã de Dorico, Letícia dos Anjos.

Letícia admite que a cunhada bebia, mas era pouco. “Ela passou mal a gestacao do começo ao fim, parou de fumar assim que soube que estava grávida. Ela passava muito mal todo dia. Não tem fundamento dizer que ela ficava bebendo, porque ela tomava muitos remédios. Eles frequentam os bares sim, mas porque eles têm muitos amigos comerciantes, moram aqui há mais de 20 anos, conhecem as pessoas. Mas quase sempre ela tomava refrigerante”, conta Letícia.

A TROCA DE CASA

Outro motivo alegado pela Justiça para a retirada da criança seria a casa onde eles moravam: o casal residia em um barraco de madeira. Ao serem avisados do risco de perder o bebê caso ficassem nessa casa, eles se mudaram para uma residência em alvenaria, de um cômodo, mas com reboco por dentro e banheiro interno.

“É uma casa simples, de um cômodo, mas é grande, suficiente para nós”, diz Durico.

O RECOLHIMENTO

Recolhido ao abrigo e apartado dos pais, Heitor, de apenas quatro dias, ficou impedido de ser amamentado até ontem, 17, quando a Justiça obedeceu a uma intimação do Ministério Público e concedeu o direito à amamentação ao pequeno. Na intimação, a ordem é clara para que a mãe dê de mamar ao bebê, mas que não tenha acesso aos seus outros filhos que estão no abrigo.

A MANIFESTAÇÃO

Ontem, 17, a família e amigos dos pais de Heitor fizeram uma manifestação em Água Clara, pedindo para que o bebê volte para a casa para passar o Natal. “Não tenho mais nem como olhar para a cara da minha mulher em casa”, diz o pai, emocionado.

“Só queremos o direito de passar o Natal em família”, dizia uma das faixas.

O QUE DIZ A LEI

O Artigo 23 do Estatuto da Criança e do Adolescente afirma que “a falta ou a carência de recursos materiais não constitui motivo suficiente para a perda ou a suspensão do poder familiar.

Em seu parágrafo único, a Lei ainda diz que, “não existindo outro motivo que por si só autorize a decretação da medida, a criança ou o adolescente será mantido em sua família de origem, a qual deverá obrigatoriamente ser incluída em programas oficiais de auxílio”.

O Perfil News tentou entrar em contato com o Conselho Tutelar de Água Clara por dois dias, mas ninguém atendeu às ligações.

O Artigo 157 do ECA determina a suspensão do poder familiar no caso de motivo grave, “até o julgamento definitivo da causa, ficando a criança ou adolescente confiado a pessoa idônea, mediante termo de responsabilidade”.

Já o Artigo 158 afirma que “o requerido será citado para, no prazo de dez dias, oferecer resposta escrita, indicando as provas a serem produzidas e oferecendo desde logo o rol de testemunhas e documentos”. Já que a criança tinha apenas cinco dias, fica claro que o procedimento não foi cumprido.

A Constituição Brasileira, em sua Seção IV, que diz respeito à Assistência Social, afirma que a “assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente de contribuição à seguridade social, e tem por objetivos a proteção à família, à maternidade, à infância, à adolescência e à velhice e o amparo às crianças e adolescentes carentes”.

O poder familiar apenas pode ser suspenso em casos em que a família castiga imoderadamente o filho, deixa o filho em abandono, pratica atos contrários à moral e aos bons costumes e descumpre determinações judiciais.

Gracielli amamenta o filho recém-nascido.Foto: Arquivo familiar.

No processo para o recolhimento do bebê a justiça alegava que os pais não teriam condições

Pais tinham se preparado para a chegada do bebê. Fotos: Arquivo Pessoal.

Família de Água Clara luta para recuperar filho de oito dias recolhido pelo Conselho Tutelar

Intimação do Ministério Público concedeu o direito à mãe de amamentar o filho no abrigo. Foto: Reprodução

Família de Água Clara luta para recuperar filho de oito dias recolhido pelo Conselho Tutelar

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