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sexta-feira, 26 de abril de 2024

Relatos contra o Nossa Senhora Auxiliadora mostram problemas com o setor de obstetrícia do Hospital

17/10/2018 16h41

Apesar dos esforços mostrados pela entidade para proporcionar partos humanizados, as histórias que deram errado ainda se acumulam

Gisele Berto

Após a publicação da matéria relatando a morte de uma bebê recém-nascida após problemas na incubadora que a levava para Campo Grande o Perfil News recebeu uma série de relatos com denúncias de histórias desesperadoras na ala de obstetrícia do Hospital Nossa Senhora Auxiliadora.

Muitas pessoas se manifestaram por meio da página do Facebook do Perfil News e algumas outras entraram em contato diretamente com a redação, querendo contar seus casos.

“SANGREI POR DOZE HORAS”

“Depois que a gente vive essa violência acaba esquecendo, apagando da memória. Mas quando eu li a matéria sobre o bebê acabei revivendo tudo o que passei naquele hospital”. Em um relato emocionado, a engenheira civil Daniela Lopes conta que passou por três abortos. O último ocorreu há 11 meses. “Eu estava com três meses de gestação quando tive um aborto retido. O médico disse que eu teria que esperar sozinho. Fiquei esperando, mas o bebê não saía, então eu comecei a ter hemorragia. Isso foi em uma quinta-feira à noite. Aí eu fui para o Hospital e lá eu fiquei esperando o médico para fazer a curetagem. Esperei por 12h com hemorragia e nenhum médico me atendeu”.

Daniela conta que, no dia seguinte, uma enfermeira-padrão fez o exame de toque para ver como estava a hemorragia. “Eu pedi para ela e ela fez a curetagem. Mas, antes disso, sangrei por 12 horas”.

Procurado para dar esclarecimentos sobre o caso, o Hospital Nossa Senhora Auxiliadora afirmou que a paciente, “diagnosticada com trombofilia, foi atendida quando apresentava sangramento. Foi constatado o aborto e a equipe do hospital realizou a curetagem na paciente”.

“VOU ENFIAR A MÃO E PUXAR SEU BEBÊ”

Outro relato que nos foi enviado foi pela dona de casa Dayane Medeiros, de 26 anos. No dia 6 de junho deste ano, ela chegou ao hospital já com dilatação.

“A gente via as matérias falando que do nível de excelência da maternidade, de parto humanizado, mas a realidade é outra. Você chega lá e é diferente. Eu tinha optado pelo parto humanizado e cheguei lá e era só um parto normal, em cima de uma cama, em que eu não podia nem escolher a posição que eu ia ficar. Tive que ficar de quatro em cima da cama das 4h às 5h da manhã até o médico dizer que ia ter que fazer cesárea”, contou Dayane.

A história de Dayane e do bebê Nicolas começou por volta da uma da manhã do dia 6 de junho deste ano. “Cheguei com três dedos de dilatação. Fiquei de observação até às 3h debaixo do chuveiro quente, para ver se dilatava mais. Então uma enfermeira fez o toque e viu que já estava com cinco dedos de dilatação. Ela me internou e estourou minha bolsa. Fez outro toque e viu q o nenê não estava encaixado de cabeça e sim de rosto, com o queixo para a frente. Ela me avisou que ele não nasceria de parto normal, porque não tinha passagem para ele, por mais que eu fizesse força”, disse.

Dayane afirma que a enfermeira chamou o médico, que novamente fez o toque. “Ele me machucou toda tentando virar o nenê ali mesmo, durante o toque”.

“Mandou eu ficar numa posição bastante desconfortável para ver se o nenê virava e eu fiquei, das quatro até as cinco e meia da manhã nessa posição. Tinha tido dilatação completa, mas o nenê não nascia”, diz.

Às 5h40 o médico resolveu fazer outro exame de toque. Como viu que o nenê não nascia, optou pela cesárea. “Chegando ao centro cirúrgico cadê o anestesista e o pediatra de plantão? Nem o médico sabia deles. Só estávamos eu e o médico, nem enfermeira para ajudá-lo tinha lá”, lembra Dayane.

Neste momento, Dayane já não tinha mais forças. Com dez dedos de dilatação, as contrações não cessavam mais. A presença da mãe de Dayane, que havia ficado com ela todo o tempo enquanto ela tentava o parto normal, já não era mais permitida. “Disseram que ela ficaria comigo, mas depois a proibiram de entrar. A própria enfermeira tinha dito que ela podia, mas quando chegou lá não deixaram ela entrar”.

Então, quando o anestesista chegou, o médico fez um último toque e afirmou que o parto deveria ser normal, porque o bebê não aguentaria esperar pela cirurgia. “Faz força aí, mãe, que vou enfiar a mão e puxar seu bebê”, teria dito o profissional.

“Eu perguntei para o médico: ‘como assim?’ e ele disse ‘isso mesmo, seu nenê tem que nascer de parto normal agora e eu vou te ajudar’”, lembra a mãe.

“Fiz toda força que pude, ele puxou meu bebê na marra, ele nasceu e não chorava. Estava roxo, com o rosto todo inchado. O pediatra chegou e o obstetra já estava limpando meu filho e tentando fazer ele chorar. Eu pedia para ver, perguntava porque ele não chorava e o médico só me dizia que ele estava bem”, diz Dayane.

ROSTO CHEIO DE HEMATOMAS E OLHO INCHADO

O pediatra levou ele para incubadora e eu fui para o quarto. Depois de três horas levaram meu filho para eu ver. Perguntei o que tinha acontecido a enfermeira disse que ele tinha passado da hora de nascer”.

O pequeno Nicolas veio para a mãe “tão enrolado no lençol, que quase não via o rostinho”, lembra Dayane. “Quando abri o lençol para colocar a roupinha nele levei um susto. Pensei até que ele tinha nascido com alguma deformidade”.

O menino tinha o lado esquerdo do rosto com um grande hematoma e o olho nem abria de tão inchado. “O olho só abriu depois de três dias, quase na hora da alta. O médico disse que não daria alta se o olho não abrisse”.

“Perguntei para a enfermeira o que aconteceu e ela disse que foi porque o médico tentou por várias vezes virar ele no toque e machucou o rostinho”, lembra Dayane.

Apesar de tudo, a criança não ficou com sequelas. “Mas ficou uns bons dias com os olhos com manchas de sangue e o rosto com hematoma”, diz a mãe.

“A moça que dividiu o quarto comigo me disse que tinha ouvido o médico falar para a enfermeira-chefe que o meu caso tinha sido um milagre, que ele não sabia como meu filho havia sobrevivido, porque tinha passado muito da hora e ele não teria aguentado esperar a cesárea”.

Dayane conta que em nenhum momento foi dada uma explicação pela equipe médica sobre os hematomas na criança.

Procurado para comentar o caso, o Hospital Nossa Senhora Auxiliadora afirmou que “o bebê estava defletido de face” e que a “manobra de correção que foi necessária para o nascimento do bebê”.

VIOLÊNCIA OBSTÉTRICA

De acordo com a advogada Rozana Gomes, sofrer algum tipo de violência obstétrica é realidade para 1 em cada 4 mulheres no Brasil. É o que diz, também, o estudo “Mulheres brasileiras e gênero nos espaços público e privado”, realizado pela Fundação Perseu Abramo.

São caracterizadas como violência obstétrica as “práticas e intervenções desnecessárias e violentas, sem o consentimento da mulher, como a aplicação do “famoso e temido pelas gestantes” do soro com ocitocina, lavagem intestinal (além de dolorosa e constrangedora, aumenta o risco de infecções), privação da ingestão de líquidos e alimentos, exames de toque em excesso, ruptura artificial da bolsa, raspagem dos pelos pubianos, imposição de uma posição de parto que não é a escolhida pela mulher, dentre vários outros”.

“O exame de toque em excesso, além de ser dolorido, é perigoso para o bebê pois pode ocasionar traumas”, afirma a advogada.

A cesariana também pode ser considerada uma prática de violência obstétrica, quando utilizada sem prescrição médica e sem consentimento da mulher.

Não é apenas a violência física que se enquadra nessa categoria. Vocabulário constrangedor, ofensivo ou humilhante à gestante, por sua raça, idade, escolaridade, religião, crença, orientação sexual, condição socioeconômica, número de filhos ou estado civil, seja por ridicularizar as escolhas da paciente para seu parto, como a posição em que quer dar à luz, também se configuram como violência obstétrica.

A violência também pode ser psicológica, de forma que a mulher se sinta inferior, vulnerável, abandonada, com medo, insegura e instável emocionalmente.

No caso de gestantes que passam por aborto, a violência obstétrica se dá quando existe a negação ou demora no atendimento, questionamento e acusação da mulher sobre a causa do aborto, procedimentos invasivos sem explicação, consentimento ou anestesia, culpabilização e denúncia da mulher.

“Existe a falta de leis pontuais, que sejam eficazes para proteger e garantir os direitos necessários de uma gestante”, afirma a advogada. “No Brasil não há uma lei federal que especifique o que é violência obstétrica. O que mais se aproxima é uma nova resolução do Conselho Federal de Medicina sobre a autonomia da mulher na hora de decidir qual será sua via de parto”, explica.

Desta forma a gestante poderia decidir como gostaria de dar à luz, desde que os direitos constitucionais do feto também fossem respeitados.

Dra. Rosana afirma, ainda, que para que essa resolução seja respeitada, “é preciso que as gestantes tenham feito um bom acompanhamento pré-natal, tenham tirado todos as dúvidas sobre o momento mais lindo e esperado da vida de uma mulher que é dar à luz e estejam cientes do que querem para o seu parto e que as equipes dos hospitais estejam preparadas para respeitar as decisões das gestantes”, conclui.

PARTO HUMANIZADO

Procurado pela reportagem para esclarecer as razões das denúncias, especialmente na área de maternidade, o Hospital Auxiliadora afirmou que “tem se empenhado para melhorar a assistência ao parto e nascimento em sua maternidade, com implementação de políticas públicas que visam a avaliação das Boas Práticas no parto e nascimento, com parceria com a Rede Cegonha e projeto Iniciativa Hospital Amigo da Criança, via Ministério Saúde)”.

O Hospital ainda afirma que sua maternidade segue os procedimentos indicados pelo Ministério da Saúde, dando preferência a elevar as taxas de parto normal, que tem recuperação mais rápida e com menor chance de hemorragias e infecções na mãe e no bebê.

O projeto de parto humanizado foi implantado no Hospital para garantir a atenção à saúde da gestante e neonato. O parto humanizado tem como objetivo desenvolver um ambiente saudável na maternidade, “onde sejam levadas em conta as necessidades afetivas e sociais das gestantes, puérperas e recém-nascido e a diminuição das necessidades de transferências do paciente à outras instituições referenciadas”, de acordo com nota enviada pelo Hospital.

No ano passado o Hospital realizou 1.662 partos e fez 5.642 atendimentos de pronto-socorro na maternidade. Em 2018, até o mês de setembro, foram registrados 1.313 partos com uma média de 4.148 consultas do pronto-socorro da maternidade.

O Hospital afirma que tem 96% de satisfação do usuário, comprovado pelas auditorias municipais e indicadores e metas de qualidade.

EQUIPE

A comunicação do Hospital também afirma que a equipe da Maternidade do hospital é formada com uma Enfermeira Coordenadora; médicos plantonistas obstétricos 24 horas; sete enfermeiras assistenciais; 18 técnicos de enfermagem; duas colaboradoras da higienização; quatro copeiras e equipe multidisciplinar de apoio (psicóloga, assistente social, fisioterapia e nutrição).

Bebê Nicolas, com o rosto coberto de hematomas após um parto normal. Foto: Arquivo da família

A engenheira Daniela Lopes relatou que teve hemorragia após um aborto e esperou 12h por um procedimento de curetagem. Foto: Reprodução Facebook

Dayane e o bebê Nicolas, já recuperado dos hematomas. Foto: Arquivo Familiar

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