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sábado, 20 de abril de 2024

Oito mil americanos compraram terras no Pará

15/09/2002 07h42 – Atualizado em 15/09/2002 07h42

Carlos Mendes

A prisão, pela Polícia Federal, do casal de missionários norte-americanos Donald Elmo Davis e sua mulher, Mary Lanetta Davis, e do brasileiro João da Cruz Veloso, levantou o véu de uma questão que está se tornando comum: a venda de terras e bônus de preservação ambiental pela Internet. Para a PF, não há dúvida de que se trata de golpe. No caso da Rainforest Preservation Foundation, o golpe pode alcançar quatro milhões de hectares, equivalente ao tamanho dos Estados de Alagoas e Sergipe. Mais de oito mil americanos compraram pedaços do Pará, segundo Donald Davis.

As cotas de preservação eram comercializadas a U$$ 25, U$$ 50, U$$ 70 e U$$ 100 por Donald Davis e seus sócios. O comprador de uma cota podia se declarar um salvador da floresta amazônica. O negócio corria muito bem até que o empresário texano Eldrigde Wayne Jones, resolveu denunciar ter sido lesado pela Rainforest Foundation e seu braço brasileiro, a Fundação de Preservação da Floresta Amazônica (Fundamazon). Jones procurou o advogado Walmick Roberto Melo e contou o que sabia. O advogado ouviu a história e resolveu agir. “Eu entreguei à Polícia um dossiê volumoso, com todas as provas. Era tanto papel que nem tive tempo de tirar cópia”, contou Melo.

Indícios – Jones alega ter sofrido prejuízo de quase U$$ 1 milhão (R$ 3,1 milhões) ao comprar áreas oferecidas pelos Davis e Veloso. Os três acusados tiveram, neste final de semana, a prisão temporária decretada pelo juiz substituto da 4ª Vara Federal, Antônio Carlos Campelo. Ele se convenceu da existência de “indícios veementes” contra os três, para decretar a prisão por cinco dias. Findo esse prazo, eles poderão ser soltos e responder ao processo em liberdade. A PF também pode pedir a preventiva se tiver provas suficientes para encaminhar novo pedido à Justiça Federal.

O advogado Miguel Brasil, defensor dos acusados, ingressou na sexta-feira com um pedido de habeas corpus, alegando que seus clientes não praticaram fraude. “O que houve foi uma briga de sócios e um deles resolveu acusar o outro. Isso nem é caso da alçada da Polícia Federal”, disse Brasil. Ele entende que houve cerceamento de defesa dos acusados. “Eles foram expostos na mídia como se fossem bandidos e recolhidos numa cela junto com traficantes de drogas”.

Fuga – O pedido de Miguel Brasil foi julgado por Campelo na noite de sexta-feira. Ele negou a soltura dos acusados com o argumento de que Donald Davis e sua mulher, por serem estrangeiros, podem fugir do Brasil. O advogado prometeu ingressar com um recurso no TRF, em Brasília, para soltar seus clientes.

Depois das prisões, agentes da PF apreenderam documentos e mapas de terras, numa casa em Benevides, onde os americanos costumam ficar quando estão no Brasil. O delegado Raimundo Freitas mandou traduzir a documentação do inglês para o português. Ele disse que se houver algum tipo de dificuldade na checagem de informações sobre a negociação com as terras amazônicas no exterior, a PF pedirá a ajuda da Interpol. Freitas afirma que a PF agiu dentro da lei e que não houve nenhum cerceamento de defesa dos acusados. A suposta fraude, mais uma vez, envolve o cartório de registro de imóveis Moreira, do município de Altamira, hoje sob intervenção do Tribunal de Justiça do Estado. A documentação foi obtida no cartório Moreira em 1995. Uma área que nunca existiu no município de Aveiro, segundo o delegado, aparece com sua escritura registrada naquele cartório.

“Rainforest é uma fraude”, diz Jones na Polícia Federal

Em depoimento na sede da PF, Eldrigde Jones contou ter conhecido Donald Davis há 13 anos, no Rio. “Eu o convidei para servir de intérprete, pois pretendia adquirir aço para a minha empresa nos EUA”. Depois disso, ficou nove meses sem falar com Davis, até que um dia recebeu um telefonema dele pedindo para que o ajudasse em uma fundação de preservação de floresta, a Rainforest Foundation, com sede em Fort Wort. O trabalho seria os dois viajarem ao Brasil para comprar terras visando à preservação. Em Belém, ficaram hospedados no Hotel Sagres. “Ficamos durante duas semanas, pensando numa maneira de ganhar dinheiro sem devastar a floresta. A idéia inicial foi aproveitar a madeira que ficava submersa nos rios próximos ao balneário de Mosqueiro. Depois, cada um retornou à sua cidade nos EUA, mantendo contato telefônico duas vezes por semana.

“Numa dessas conversas, o Donald Davis falou que queria meu dinheiro para comprar terras no Brasil destinadas à preservação. Ele me disse que a cada 25 dólares que eu doasse, um acre de terra seria preservado. As terras adquiridas ficariam às margens do Tapajós. Aceitei a proposta, pagando 500 dólares”. Segundo Jones, dois anos depois já estava pagando 35 mil dólares a Davis. No total, foram seis pagamentos por ano, até 1994. O total, ficou em 400 mil dólares. Além do mapa da área a ser preservada, Davis forneceu a Jones um relatório descritivo do local, que teria 341.490 acres (120 mil hectares). “Não cheguei a visitar a área, embora tivesse vindo ao Brasil duas ou três vezes por ano naquele período”.

Jones revelou que em 1995 constituiu a empresa Jonave Financial Group, estabelecida nas ilhas Caiman. O objetivo era retirar de toras de madeira dos rios Guamá, Acará, Capim, Moju, Pacajá, Anapu, Tocantins e Xingu. Um dos sócios dele na empresa era Donald Davis, além de Tom Heath e João Veloso. “Ela nunca executou nenhum serviço e existia só no papel. Em novembro de 96, descobri que a empresa teve seu registro adulterado na Jucepa com uma procuração falsa”. Foi quando Jones parou de contribuir e resolveu denunciar a empresa.

Defesa – O pastor Donald Davis se defende da acusação de fraude, relatando no depoimento na PF sua relação com Eldrigde Jones, que o apontou como mentor do golpe. “Quando criei a Rainforest Foundation e outra fundação no Pará, a idéia era adquirir os terrenos disponíveis e preservá-los da ação do homem”. Sobre os recursos da entidade, disse ser responsável pela arrecadação do dinheiro junto a escolas, clubes, empresários e igrejas, onde profere palestras e apresenta materiais de propaganda. Davis contou que o dinheiro arrecadado é remetido para João Veloso, presidente da Rainforest no Brasil. Ele acha que as terras adquiridas para preservação são registradas em cartório por Veloso. E revelou que mais de oito mil norte-americanos já contribuíram para a preservação da Amazônia, pagando valores entre 20 e 25 dólares.

Dos 200 mil dólares que estima tenham sido arrecadados durante esse tempo, Davis não soube dizer quanto foi remetido para o Brasil. O pastor cita Jones como um dos contribuintes. Essa contribuição foi com dinheiro em espécie, para a compra de uma balsa e um barco para retirar madeira do fundo do rio, em Breves. No total, a contribuição alcançou U$$ 65 mil.

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