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sexta-feira, 29 de março de 2024

“Perdoar, só Deus”, diz vítima do ônibus 499

12/11/2006 16h58 – Atualizado em 12/11/2006 16h58

Estadão.com

Dois dias depois de ser ameaçada de morte, surrada e humilhada pelo ex-marido, André, dentro do ônibus 499, por mais de dez horas, Cristina Ribeiro disse que não consegue desculpá-lo, apesar de reconhecer que ele estava “desorientado”.

“Eu não perdôo. Não tenho raiva, sinto até pena. Mas perdoar é só com Deus”, afirmou. Neste domingo, a técnica de enfermagem, de 37 anos, recebeu jornalistas em sua casa, em Nova Iguaçu.

Usava colar cervical e faixa lombar – por conta dos socos, empurrões e coronhadas que levou, ela está com o maxilar fissurado e sente dores na barriga e nas costas.

Abatida e falando com dificuldade, a moça, bonita e de aparência jovem, contou que, nos últimos dois anos, quando o casamento de uma década começou a ruir, recebeu toda sorte de ameaça do então marido, que a perseguia.

“Ele ligava quinze, vinte vezes para o meu celular, sempre arrumava um motivo para me perturbar. Não conseguia mais ouvir o som do telefone tocando”, lembrou Cristina, que pôs fim à relação sete meses atrás.

 

Perseguição

André era tão ciumento e obcecado que desconfiava de qualquer atraso da mulher. “Ele acha que eu sou propriedade dele. Se eu demorava um pouco mais para chegar do trabalho, era porque estava com alguém. Quando um homem me cumprimentava com um beijo no rosto, ele já achava que eu dava confiança”.

Depois que o caçula (de 4 anos) nasceu, a situação piorou. O garoto tem a pele e os cabelos mais claros do que os pais e os dois irmãos (de 7 e 9 anos), o que levou André a crer que ele não era o pai. O ambulante passou a infernizá-la diariamente, apesar de Cristina insistir que era fiel.

Os parentes da técnica – que também são familiares de André, já que os dois são primos de primeiro grau – também têm histórias dramáticas para contar: “Uma vez, ele trancou Cristina, Regina (irmã dela), eu e os meninos em casa, fechou tudo, abriu os bicos de gás e pegou uma faca. Ele veio para cima de mim e só parou porque o mais velho agarrou ele, chorou e pediu: `pai, não faz isso com a minha avó, não”, contou dona Eunícia, mãe de Cristina e tia de André. A situação só se acalmou quando Cristina prometeu que não o deixaria.

Cristina fez três registros na Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher (Deam): duas vezes por ameaça e uma por seqüestro (ele a tirou de casa e a manteve em cárcere privado por duas ocasiões). O caso não teria chegado à esfera judicial porque, segundo a informaram no fórum de Nova Iguaçu, a intimação não chegou a ser enviada para André.

O estopim foi na semana passada, quando Cristina aceitou uma carona de um amigo, da época em que ela freqüentava uma igreja evangélica, para levar o filho mais velho a uma clínica.

O garoto estava vomitando e ela achou melhor ir sozinha com ele, deixando os outros dois meninos na casa da mãe. O filho do meio comentou o fato com o pai. Foi o suficiente para André concluir que o rapaz que ofereceu a carona era amante da ex-mulher.

Na sexta-feira, antes de entrar no 499, André – que, segundo a técnica, parecia estar sob efeito de alguma droga -, abordou a ex em outro ônibus, do qual desceram pouco depois. “Eu peguei o ônibus para trabalhar e ele já estava lá dentro, me esperando. Ele me arrastou pelos cabelos, dizendo: `eu te avisei, não avisei?´ e me fez saltar”, contou ela, lembrando que chegou a fazer sinais para pessoas que estavam num posto de gasolina próximo. Mas ninguém fez nada, por achar que era uma briga de marido e mulher.

Cristina lembra que, durante as horas no 499, só pensava no episódio do ônibus 174, que terminou com o seqüestrador e uma das reféns mortos.

“Acho que ele tem que ser processado por me agredir e pelo que fez com os passageiros, que perderam um dia de trabalho”, defendeu. Hoje, Cristina irá prestar depoimento à polícia, na mesma delegacia onde André está preso. Ela não pensa em parar para visitá-lo. “Só quero distância dele”, justificou.

Para tentar descansar sem ser incomodada, Cristina passou o sábado com uma amiga, na capital. Retornou para casa ontem, para reencontrar seus meninos.

O de 7 anos fez aniversário ontem. Ele e o mais velho já conseguem entender o que aconteceu. Na sexta-feira, o primogênito chegou a perguntar a uma tia: “É o meu pai que está com a minha mãe no ônibus, não é?” Ontem, o caçula interrompeu a entrevista para beijar as mãos da mãe. “Eu estava morrendo de saudade de você, mamãe”, dizia.

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