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quinta-feira, 28 de março de 2024

Tira o pé do chão, cara-pálida

02/08/2008 08h32 – Atualizado em 02/08/2008 08h32

Paulo Rocaro

A fronteira vislumbra confrontos entre brancos e índios por causa da disputa de terras. De um lado, um movimento indigenista que ganhou força em meados de 1976, portanto, há 32 anos, sustentado não pela mente de meia dúzia de pessoas, mas sim por um sentimento semeado, cuidado, alimentado e mantido de forma bastante sutil até a década de 90.

De outro, produtores rurais que em sua maioria não teve visão mais aguçada, não ouviu algumas lideranças que nestes 30 anos tentam alertar a classe para o risco da crescente onda indigenista, financiada por organizações não-governamentais (ONGs) estrangeiras. Estas, foram se multiplicando no Brasil para dar legalidade aos recursos e ações em defesa do meio ambiente e, é lógico, dos índios.

A grande diferença existente entre o movimento indígena e o ruralista, é que o primeiro ‘trabalhou’ a mídia dia após dia. Embora hoje exista proteção trabalhista para os silvícolas, desenvolveu-se no Brasil a idéia de que índio não trabalha. E se não trabalha, não tem dinheiro. Mesmo sendo considerados uns ‘duros’, eles [os índios] abriram as portas para importantes aliados nesse tempo todo: as ONGs.

Só não se preocupa com dinheiro quem não o tem. Então, se antes não havia dinheiro disponível, tratou o movimento indigenista de agir devagar, influenciando mentes e dogmas educacionais. Através de seus defensores, se infiltrou nas escolas, universidades e movimentos de luta pela igualdade de direitos. Trabalhou quieto. Água mole em pedra dura, tanto bate até que fura.

As crianças e jovens que estavam em sala de aula desde aquela época cresceram, se formaram e hoje são doutores. Parte deu ou dá aulas, contribui na formação de procuradores, juízes, promotores de Justiça, defensores públicos, advogados, delegados de polícia, psicólogos, sociólogos, geógrafos, geólogos, cientistas, arqueólogos, engenheiros, artistas, jornalistas, filósofos, entre outras profissões.

A semente do movimento indigenista brasileiro foi semeada muito sutilmente na formação dos primeiros e, obviamente, por extensão, na dos profissionais que hoje estão em atividade, entre eles, os antropólogos. Quando o dinheiro das ONGs começou a chegar com maior intensidade, já havia no país uma consciência desenvolvida de que os brancos ‘tomaram’ as terras dos índios.

Incutiram a ‘verdade’ de que eles [os índios] foram os primeiros habitantes destes prados. Claro que outrora houve confronto entre brancos e índios pela posse de terras, mas a ciência avançou para nos revelar que se houve branco tomando terra de índio, houve também índio matando, comendo e expulsando brancos por esse Brasil afora. Eles não são daqui, mas poucos procuram saber quem os trouxe,

Dia desses assisti no noticiário que arqueólogos haviam achado restos de humanos que teriam vivido na América antes da chegada dos índios. Os cientistas chegaram à conclusão de que os primeiros habitantes destas paragens não eram indígenas, mas sim negros. Não vi ninguém se mobilizar para difundir o estudo no país, talvez porque não interessa tirar dos índios a primazia do ‘direito’. Isso não vem ao caso.

E nesses 32 anos de disputa, o que fizeram os produtores rurais? A maioria se deu bem, trabalhou, ganhou dinheiro e deixou posses para seus herdeiros. Meu avô contava que antigamente, quando se falava em índio querendo terra, os não-índios tripudiavam. Cada fazenda tinha seu arsenal de mosquetões e carabinas. Ninguém se preocupava com alertas que meia dúzia de ruralistas ‘sonhadores’ dava sobre isso.

O país foi se desenvolvendo, as leis mudaram, as pessoas mudaram, o dinheiro mudou, mas nenhum movimento intelectual foi criado pelos fazendeiros brasileiros para garantir sua proteção futura. Trabalhavam, tinham dinheiro e os índios, bem, esses não ofereciam perigo porque não tinham posses. Eram uns ‘duros’. Contudo, os ‘duros’ continuaram alimentando seu movimento, até chegarem ao patamar da lei.

Neste quadro, vemos hoje que a reação dos produtores rurais diante da ameaça de perderem suas terras vem tardia. Tentam erroneamente enfrentar o problema com as armas dos brancos, quando na verdade deveriam usar as dos índios. A Constituição Federal garante o direito à propriedade aos donos de terras, mas inclui os índios entre os beneficiados por este legado. Assim, está zero a zero.

Até pouco tempo, quando uma fazenda era invadida, o dono acionava o Judiciário e pedia apoio aos amigos. Acabava ficando sozinho, tendo que arcar com as despesas do processo. O proprietário vizinho dizia: “Há! O problema é do fulano, eu não tenho índio na minha fazenda”. Não se incomodava com o fato de estar prestes a também se tornar ‘vizinho’ dos índios.

A Justiça é cega e inerte. Só atua se for provocada. E quando atua se debruça sobre a Constituição Federal e sobre as leis. A letra é fria, precisa ser interpretada para dar decisão a qualquer querela, seja ela uma simples separação de casal, seja uma invasão indígena. Portanto, a sentença depende da formação profissional, educacional e moral do defensor, do promotor e do juiz.

É nesse momento que todo conhecimento adquirido nos bancos das universidades aflora, atrelado ao que preceitua a legislação em vigor e ao direito de cada cidadão, seja ele índio ou não-índio. Não há o que se reclamar da Justiça e nem da sociedade nessa disputa pela posse da terra. Trata-se de uma iniciativa política que foi seguida à risca pelo movimento indigenista e ignorada pelos ruralistas.

Quando uma comunidade indígena, seja ela de qualquer etnia, se reúne e decide abater uma vaca numa fazenda invadida, por exemplo, há uma preparação que envolve praticamente todos os seus integrantes. Os que não participam apóiam os que vão à ‘luta’ pela carne. Escolhem os pedaços nobres da rês e depois dividem o botim, sem discutirem se quem não foi tem menos ou mais direito que os outros.

Já os produtores rurais alegam não terem tempo para se reunir, choramingam quando têm que meter a mão no bolso para pagar a própria defesa e reclamam dos que se mantêm alheios ao problema, que não é só deles. Já estive em reuniões do Sindicato Rural onde dos mais de 600 associados, só uns 10 ou 20 apareceram. Agora os fazendeiros percebem a falta que faz uma ONG ruralista em seu favor.

As ONGs que apóiam o movimento indigenista investem em orientação, ensinam táticas de guerrilha às lideranças, distribuem livros, cartilhas, gastam dinheiro com a mídia, chamam para si o desafio de mudar pensamentos dos não-índios. Com isso, ganham notoriedade, espaço nas emissoras de rádio, de televisão, nos jornais, nos sites e a atenção da sociedade. Os índios são uns ‘duros’, mas se preparam.

Hoje o índio usufrui o que a lei lhes permite: têm RG, CPF, carteira de trabalho, título de eleitor, aposentadoria, rádio, TV, bicicleta, moto, carro e celular. Em aldeias há telefones públicos e antenas parabólicas. Têm até prefeitos, governadores e presidente que os apóiam. Nos conflitos, optam por boas terras. Nem que depois tudo vire quiçaça, como aconteceu no Panambi, em Dourados. De burro, índio não tem nada.

Já os produtores não têm tempo para si. Penso que deveriam se preocupar menos com carros, máquinas e casas, para pensar mais no que querem para o próprio futuro. O movimento ruralista precisa de lideranças comprometidas e persistentes e não de gritaria quando alguém tem a propriedade invadida. Precisa de uma bancada legitimamente ruralista no Congresso Nacional e meios físicos: dinheiro e preparo.

Fora da classe, poucos sabem quanto custa manter uma propriedade rural. E os que sabem não estão nem aí, porque não têm gado no pasto e nem soja no silo. Por isso fazendeiro é taxado de ‘rico’ e qu
alquer coisa que faça, custa mais dinheiro do que o normal. Arriscaria dizer até que há produtores rurais muito mais ‘duros’ do que muitos índios. É preciso encontrar tempo para se dedicar à própria causa.

Não é tarde para o produtor fortalecer seu sindicato, incentivar organizações não-governamentais em seu favor, investir mais hoje para baratear sua defesa no futuro, fazer o dever de casa se mobilizando e desenvolvendo consciência coletiva nos segmentos da sociedade. Se o produtor pode comprar e pagar à vista sua sobrevivência, por que não pode fazer melhor o que o índio fez nas últimas três décadas?

  • O autor é escritor e jornalista, presidente do Clube de Imprensa de Ponta Porã, imortal da Academia Pontaporanense de Letras, membro do Lions Clube e diretor da Sodema (Sociedade de Defesa do Meio Ambiente).

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