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Eleições no Brasil: finalmente alguma coisa para se comemorar

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15/10/2002 08h24 – Atualizado em 15/10/2002 08h24

Será que Wall Street e Washington terão a capacidade de enxergar o lado positivo das eleições no Brasil?

Michael Elliott

Time

Você anda precisando de algo para levantar o seu moral? Então, leia este artigo, que está repleto de boas notícias. O quinto maior país do planeta – cuja história recente foi marcada pelo domínio dos militares e por uma corrupção endêmica – está promovendo eleições presidenciais livres e regulares. Todos os eleitores, até mesmo os que moram nos vilarejos mais remotas do país, registram os seus votos por meio de máquinas eletrônicas de alta tecnologia, isto é, dotados de um grau de sofisticação tal que faz parecer eleições realizadas em lugares como, digamos, a Flórida, uma formalidade vergonhosamente fora de moda.

O candidato que obteve a maioria dos votos no primeiro turno conquistou a sua notoriedade criticando as elites da nação que estavam no poder até então. Mas o resultados são aceitos por todos, e o país inicia daqui para frente uma campanha de três semanas antes que os dois candidatos remanescentes se enfrentem num segundo turno.

Vale a pena erguer seu copo e brindar, não? Pois é. No entanto, tudo o que as eleições da semana passada no Brasil conseguiram despertar em Wall Street foi um mal-estar monumental. A moeda brasileira, o real, continuou sofrendo uma derrocada que, com exceção de uma curta interrupção depois do anúncio pelo Fundo Monetário Internacional (FMI) de uma intervenção para socorrer o país com um pacote de US$ 30 bilhões em empréstimos, em agosto passado, vem se intensificando desde o começo do ano.

Com efeito, nos mercados financeiros, as taxas de juros cobradas sobre as obrigações brasileiras (“Brazilian bonds”) (um bônus em função do qual Wall Street mede o grau de risco que representam os investimentos no Brasil) estavam alcançando um índice de 20 pontos percentuais acima de títulos americanos comparáveis.

Não é preciso ser uma especialista em economia para adivinhar por que os mercados estão tão nervosos. O vencedor do primeiro turno, que obteve 46,4% dos votos válidos, foi Luiz Inácio Lula da Silva – conhecido no mundo inteiro como Lula -, o candidato do Partido dos Trabalhadores, que, no passado, chegou a afirmar seu interesse em repudiar a dívida externa maciça do Brasil. Lula, de 56 anos, um antigo líder sindical que está disputando a presidência pela quarta vez, deve provavelmente superar o seu rival José Serra, o candidato da coalizão governamental, na decisão final agendada para 27 de outubro.

Depois das catástrofes econômicas que atingiram recentemente a Argentina e o Uruguai, muitos banqueiros americanos temem que o compromisso que a América latina firmou em relação ao Consenso de Washington, o conjunto de políticas e regras de livre comércio que fora adotado no continente a partir do final dos anos 80, esteja correndo perigo. Considerando o grau de envolvimento dos bancos e dos exportadores americanos com a América Latina, essa crise poderia se saldar em importantes perdas de empregos e lucros em toda a região situada ao norte do Rio Grande.

Ocorre que o homem que cunhou a expressão “Consenso de Washington”, John Williamson, do Instituto de Economia Internacional de Washington, é um especialista de longa data na economia brasileira. E quando conversei com ele na semana passada, Williamson parecia estar muito mais tranqüilo em relação à perspectiva da ascensão de Lula ao poder do que a maioria dos responsáveis em Wall Street. Após anos de fracassos, explica Williamson, o Partido dos Trabalhadores tornou-se agora elegível justamente porque o seu programa de governo e a sua política “convergiram para um terreno de entendimento, mais próximo do centro”.

Segundo Williamson, pouco importa o que pode ter sido o programa do PT no passado, já que o partido agora parece estar pronto para aceitar as restrições do FMI e do Tesouro americano, e inclusive preparado para se submeter a orçamentos de governo apertados e à obrigação do pagamento da dívida externa. Considerando as restrições econômicas que ele tem pela frente, um governo Lula vai provavelmente se concentrar naquelas áreas em que o Partido dos Trabalhadores se destacou todas as vezes que ele dirigiu governos estaduais e prefeituras, criando e expandindo as oportunidades no plano da educação e melhorando os serviços de saúde.

Além do mais, a eleição de Lula, se ela acontecer, teria uma importância considerável e não deve ser menosprezada. O Brasil tem a maior economia da América Latina; algumas das tendências que parecem estar prestes a conduzir Lula ao poder são também visíveis em muitas outras partes do continente. Peter Hakim, o presidente do Centro de Diálogo Inter-Americano, um grupo de reflexão de Washington, afirma que o sucesso de Lula reflete o crescimento da “decepção da população com os resultados das reformas econômicas e com a qualidade das lideranças”.

Nesse sentido, Lula não será a marionete de ninguém, e muito menos a de Washington. “Os Estados Unidos pensam em primeiro lugar e sobretudo nos Estados Unidos”, disse recentemente o candidato do PT à Time. “Cabe a nós brasileiros pensarmos mais em nós mesmos e nos nossos problemas. Sempre digo que um ser humano nunca será respeitado se ele estiver na posição de um vassalo submisso e que ele só conquistará esse respeito pela sua capacidade de lutar”.

Embora Lula afirme ser um partidário do livre comércio, ele vai provavelmente se opor ao Tratado de Livre Comércio das Américas – o qual era, antes do 11 de setembro de 2001, uma prioridade da administração Bush – e manifestar-se contra tudo o que se aproxime desse tratado com os termos propostos pelos lobistas dos meios de negócios em Washington.

Se Lula for eleito e se o governo de Washington for sábio, os Estados Unidos aceitarão eventuais contrariedades que o Brasil possa lhes trazer (Lula, sem dúvida, se mostrará um aliado de Fidel Castro) como um preço que vale a pena ser pago em função de algo que possui um valor considerável. Já se passaram 20 anos desde que Margaret Thatcher, naquilo que representou um presente involuntário para a América Latina, derrotou a junta militar argentina na guerra das Malvinas, revelando com isso a bancarrota de políticas conduzidas por homens usando óculos escuros e uniformes militares.

A democracia na América Latina é robusta; Peter Hakim considerou as eleições da semana passada no Brasil “extremamente limpas, competentes e decentes”. Um dos sintomas mais claros da saúde de toda e qualquer democracia é a eleição daqueles candidatos que não escondem a sua oposição ao regime que está no poder. É por essa razão que a eleição para a presidência do México de Vicente Fox, um homem de direita, foi tão importante em 2000, e é por isso que vai valer a pena comemorar se o Brasil escolher um candidato de esquerda no final deste mês.

“O Brasil mudou”, disse Lula à Time. “Sou o resultado da evolução política da sociedade brasileira”. Que assim seja, portanto. Mas será que o governo de Washington e os responsáveis em Wall Street evoluíram o bastante, por sua vez, para serem capazes de celebrar o triunfo da democracia no Brasil?

Colaboraram nessa reportagem Tim Padgett e Andrew Downie, em São Paulo.

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