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Artigo: Teresa e as laranjas; uma história de vida três-lagoense

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20/12/2014 16h32 – Atualizado em 20/12/2014 16h32

Teresa e as laranjas: uma história de vida três-lagoense

Guta Rufino*

Hoje tive um encontro com “a vida que ninguém vê” – uso o termo fazendo referência à obra da escritora gaúcha, Eliane Brum (2006), que apresenta narrativas da vida cotidiana de pessoas anônimas; seus sonhos, dramas…

Na verdade mais um encontro. Quantas vidas que ninguém vê não esbarramos no nosso dia a dia. Já parou pra pensar/perceber? Eu gosto de histórias e vidas assim, que me fazem sentir mais viva, mais gente, faz com que eu perceba o contraste entre viver, sobreviver, além de me colocar também a pensar no “que talvez seja o segredo dessa vida”, como diria Raul Seixas sobre a morte.

A dona da vida é Teresa, assim se apresentou, comentando sobre outra Teresa, que mora no mesmo terreno que ela, mas em cômodos separados. Idade? Está na casa dos 80-90. Morena, alta, cabelo encaracolado e com dificuldade para caminhar. Motivo: problema na coluna, bico de papagaio… E toda a série de doenças que quem tem uma dessas acaba por ter as demais – quase sempre.

Teresa anda com o auxílio de uma muleta canadense articulada, aquela de aço, que a pessoa ajusta o encaixe para o braço. A senhora é de Bebedouro (SP), terra da laranja. Ela contou que o médico recomendou que comesse laranja, pois, é saudável. Teresa não tinha laranja em casa. Teresa queria laranja.

Ela não mora em uma casa, mora em um cômodo avulso, em um terreno com vários outros cômodos, que abrigam outras pessoas – conhecidos, desconhecidos.

Há um desnível para o acesso à porta do quarto de Teresa, o que dificulta sua entrada na casa. Ela disse que sempre conta com o auxílio de alguém para subir o degrau e entrar em sua casa.

Teresa mora sozinha, tem uma cama, mas não cabe no quarto. Seu móvel de repouso: um sofá comprido, coberto por uma colcha. No mais: simplicidade e ausência – material -, porque espiritual ela esbanja. Católica, declarou-se. Devota de Nossa Senhora Aparecida, das 13 almas, ela também não deixou de falar em nenhum momento de Jesus do Sacramento.

Como conheci Teresa? Eu conto. Eu e minha prima havíamos acabado de almoçar em um restaurante no centro da cidade. Fui pegar meu carro, que estava estacionado na avenida Antônio Trajano, na verdade, na alameda Paul Harris, entre o paço municipal “Rosário Congro” e a Igrejinha “Santo Antônio”. Exatamente no vão entre o meu carro e o de trás passava Teresa, auxiliada por um senhor, que a ajudou a subir na calçada e seguir sentido os Correios.

Foi aí então que eu e a Gabriela, minha prima, percebemos Teresa. Ela mal andava. Questionamos sobre seu destino, disse que iria comer por R$ 2 em um restaurante ali próximo, pois, a proprietária a conhecia e ofertava a comida à ela. O restaurante seria o mesmo onde eu e minha prima havíamos almoçado.

Eu estava inquieta. Inquieta porque ela mal andava. Para chegar ao restaurante que estava há uma quadra demoraria vários minutos, quem dirá quanto tempo demoraria no percurso de lá para sua casa. Onde seria sua casa? Perto, longe? A resposta veio dela: no bairro Nossa Senhora Aparecida – o mesmo nome de sua santa protetora.

Ofereci carona e um marmitex, assim eu pouparia Teresa de uma longa e difícil caminhada, devido suas limitações. Ela ainda pediu um guaraná, “aquele que tem as duas frutinhas na lata, guaraná, sabe qual é?”, disse ela. E assim foi. No trajeto ela se declarou, disse o que sente/sentia e o que é e o que foi. Teresa ainda me contou qual era o seu trabalho: ela limpou as ruas da cidade por 30 anos.

Teresa recebeu as laranjas, ela agradeceu. Agradeceu não apenas as laranjas, mas a tudo aquilo que deveria ser o fazer cotidiano daqueles que estão ao alcance de executar. “Minha mãe disse que isso não é mais do que nossa obrigação”, me disse um menino de 12 anos, durante uma ação solidária que acompanhei nesta semana.

Esse é um pouco da história que apesar de ter durado minutos, não mais que uma hora, eu vi, vivi. Acredito que tanto quanto viver, perceber, compartilhar é importante. Teresa disse que ela fala mais do que o “homem da cobra”, mas eu também falo – e escrevo, escrevi (risos).

Muitos julgam histórias como essa, levam em consideração fatores ou supostos fatores que levaram a isso ou aquilo… Se tudo que Teresa me contou é verdade? O que é verdade? Existe apenas uma verdade? Acho que tenho a resposta: a vida dela é de verdade. Encerro aqui com o trecho da música “Só se vive uma vez”, da banda Vespas Mandarinas. “A ninguém é dado o poder de sabe o que é verdade. A ninguém cabe dizer a qualquer um o que fazer. Ninguém tem o direito de não viver, ninguém tem o direito de não entender, ninguém tem o direito de não pensar antes de atirar a primeira pedra”.

*Guta Rufino é jornalista do site Perfil News

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