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Crise no transporte abre debate sobre investimento em malha ferroviária

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06/06/2018 20h52

Falta de investimento em multimodais prejudica o setor logístico e torna a economia refém das rodovias

Gisele Berto

Nos últimos dias, o transporte de cargas foi altamente afetado pela greve dos caminhoneiros em protesto ao aumento dos valores dos combustíveis – principalmente da gasolina e do diesel.

Em situações de crise, como a que houve com o desabastecimento causado pela paralisação dos motoristas de caminhão, é natural que se questione a dependência de um único modal de logística – no caso, o transporte rodoviário.

A logística de distribuição de bens de consumo no Brasil é predominantemente realizada pelas rodovias, sendo que as ferrovias e hidrovias não são exploradas potencialmente. Em 2015, o IBGE divulgou o mapa “Logística dos Transportes no Brasil” e revelou que 61,1% da carga transportada pelo país usa o modal rodoviário, ao passo que somente 21% utiliza a malha ferroviária.

DADOS COMPARATIVOS

Nos Estados Unidos, o transporte ferroviário representa 50% do total de cargas transportadas. De acordo com a Agência Nacional de Transporte Ferroviário, a comparação com os EUA é interessante por conta da extensão territorial semelhante.

Uma ampla rede ferroviária favorece todo o processo produtivo e o fluxo de exportação, o que geraria aproximadamente 30% de economia nos transportes. Por exemplo, um vagão graneleiro comporta, em média, 100 toneladas de grãos, enquanto um caminhão bi-trem transporta apenas 36 toneladas.

Outro fator importante é a baixa produção de CO2, que diminui o impacto ambiental e é menos suscetível ser alvo de criminosos. Além disso, contribui para a redução de problemas urbanos como congestionamentos e acidentes.

“Com esse cenário, temos a possibilidade de um transporte mais rápido, mais barato que poderia mudar os rumos da infraestrutura brasileira. É de extrema necessidade que se fomente o modal ferroviário para maior eficiência da logística. E, consequentemente o avanço econômico do país”, diz João Paulo Caldana, Diretor Geral da Dachser, multinacional da indústria de logística.

Reforçando essa perspectiva, em meio aos danos e o desespero da população em busca de gasolina, etanol e diesel, a cidade de Bauru, localizada no interior do estado de São Paulo, por exemplo, não ficou sem combustível devido ao abastecimento realizado por meio de trens que saem diretamente da Refinaria de Paulínia. Enquanto isso, cidades localizadas em seu entorno ficaram sem o insumo.

SUCATEAMENTO DA INDÚSTRIA

Nos anos 1950, uma decisão política brasileira priorizou a expansão das rodovias em detrimento das ferrovias. O objetivo era atrair a indústria automobilística para o País. A falta de investimento resultou em uma diminuição da malha ferroviária brasileira atual em relação ha 70 anos atrás.

O histórico da malha ferroviária brasileira é, no mínimo, irônico. Para que se tenha uma ideia, dos mais de 30.500 quilômetros de ferrovia que existem, cerca de 10 mil foram construídos pelo imperador Dom Pedro II no século passado.

Atualmente, Brasil tem tantos percursos de trilhos quanto o Japão, cujo território é do tamanho do estado de São Paulo. No entanto, nosso país é privilegiado por vastas dimensões continentais e ricas bacias hidrográficas — que sugerem um grande potencial para o desenvolvimento de hidrovias e ferrovias.

Para uma mudança significativa, capaz de aumentar a competitividade do produtor nacional, investimentos de grande porte são necessários. Segundo levantamento da Confederação Nacional da Indústria, de 2015, o país precisaria de mais de R$ 55 bilhões para a reforma e a construção de novas ferrovias.

A responsabilidade de investir na implantação dessa infraestrutura e melhorar o sistema atual era apenas do Governo Federal. Agora, é uma missão também das empresas privadas.

INVESTIMENTOS

Uma das principais empresas do segmento, a Rumo já investiu mais de R$ 6 bilhões para melhorar e otimizar a operação ferroviária desde a fusão com a antiga América Latina Logística (ALL). Os principais recursos foram destinados para a renovação da frota (aquisição de 2.649 vagões e 178 locomotivas), criação e aperfeiçoamento de pátios de cruzamento e melhorias em tecnologia e segurança da operação.

Os constantes investimentos na revitalização e expansão estão contribuindo para o escoamento da safra agrícola, além de trazer perspectivas positivas para o mercado de importação e exportação. Somente no primeiro trimestre de 2018, a empresa registrou um crescimento de 18% no volume transportado em comparação com o mesmo período de 2017, totalizando 11,8 bilhões de TKU (toneladas por quilômetro útil).

Entre os principais fatores que impulsionaram o setor estão a safra recorde da soja e novas operações de celulose. Para acompanhar esse crescimento, a empresa prevê no seu plano de negócios um investimento total de 10,5 bilhões até 2020, que incluem os R$ 6 bilhões já investidos.

Os investimentos em ferrovias representam o potencial desenvolvimento no comércio nacional. Em termos de capacidade, um trem com 100 vagões substitui 357 caminhões na estrada. Isso traz ainda mais vantagens quando se considera trechos de longa distância. As melhorias na operação logística resultam em benefícios diretos para as comunidades que vivem no entorno das ferrovias, que vão desde a geração de novos postos de trabalho até a redução nos números de acidentes rodoviários.

Três Lagoas no centro do novo hub modal

Entre os projetos em andamento para o setor, a Ferrovia TransAmericana é a que concentra as energias do governo do Mato Grosso do Sul. A proposta é ligar o oceano Atlântico, no porto de Santos (SP), ao Pacífico, na cidade portuária de Ilo, no Peru.

A TransAmericana conecta a Ferroeste, administrada pela concessionária Rumo e que passa por São Paulo e Mato Grosso do Sul, à Ferrovia Oriental, na Bolívia. Isso permite acesso à Ferrovia Andina, ligada aos portos do Oceano Pacífico. Assim, haveria alternativa de saída para o mercado asiático e o escoamento da produção seria mais econômico, com redução aproximada em 25 dias, o que contribui para a maior competitividade das commodities sul-mato-grossenses.

À frente do projeto está consórcio formado pela Rumo, Ferrovia Oriental e Andina, o Hub Intermodal de Três Lagoas e a Transfesa, do segmento de transportes ferroviários. O desafio é transformar as precariedades de uma ferrovia centenária, entre Santos e Santa Cruz de la Sierra, na Bolívia, em uma linha moderna.

Embora necessite de melhoria, a Ferroeste opera com três contratos: transporte de celulose de Jupiá a Santos; de minério, do morro de Urucum a Porto Esperança, em Corumbá (daí o insumo segue de barcaça até a Argentina); e de vergalhão de ferro, de Bauru a Bolívia. Haverá, ainda, novo contrato para escoar farelo de soja de Três Lagoas ao porto de Santos.

OUTROS PROJETOS

Há projetos mais antigos e com concretização menos provável. Um deles propôs, inicialmente, ligar Porto Murtinho a Panorama (SP). Também passaria, em Mato Grosso do Sul, por Maracaju e Dourados. O EVTEA (Estudo de Viabilidade Técnica, Econômica e Ambiental), concluído em 2012 ao custo de R$ 5,5 milhões, verificou que não haveria volume significativo de carga até Porto Murtinho.

O trajeto foi reduzido, assim, de Panorama a Maracaju, totalizando 708 quilômetros de extensão e incluindo a “execução de obras de terraplenagem, drenagem, superestrutura, obras de arte especiais, obras complementares, serviços de supervisão de obras, gestão ambiental e desapropriação”, conforme o relatório do EVTEA. Os investimentos somam R$ 3,78 bilhões.

O segundo projeto é extensão da Ferrovia Norte-Sul, que interliga Três Lagoas a outros municípios de Goiás, Minas Gerais e São Paulo. A proposta está incluída na segunda etapa do Plano de Investimento em Logística e tem cu
sto estimado em R$ 4,9 bilhões.

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