16/10/2004 10h16 – Atualizado em 16/10/2004 10h16
Correio Braziliense
A próxima operação da Polícia Federal (PF) não envolve a prisão de figurões nem a apreensão de somas milionárias. Na segunda-feira (18), no Rio de Janeiro, dez agentes em três viaturas realizarão um trabalho de escolta até o Aeroporto Santos Dumont de um carregamento de mais de 1,7 tonelada. O que chama atenção, no entanto, não é o peso, mas o conteúdo e a idade do que está dentro das 51 caixas: fósseis de 100 milhões de anos. Avaliadas em US$ 600 mil, todas as 3,5 mil peças serão enviadas para o Museu de Paleontologia da Universidade Regional do Cariri, no Ceará.
Os fósseis foram roubados do Ceará em 2001 e apreendidos naquele mesmo ano, na capital fluminense, pela PF. As peças estavam dentro de um conteiner, prestes a embarcar em um navio com destino à Alemanha. ‘‘Tudo aquilo é patrimônio brasileiro que ia ilegalmente para o exterior’’, explica o delegado da PF Antônio Carlos Rayol, um dos responsáveis pela operação que recebeu o nome de Volta ao Passado.
Todas as caixas serão transportadas para o Ceará em um avião da PF. Os cuidados não são pequenos e a vigilância se explica pelo fato de os fósseis serem considerados patrimônio da União. Outro motivo para preocupação é a possível ação de quadrilhas especializadas em comercializar esse tipo de artefato. ‘‘Achamos melhor tomar precauções para que as peças sejam transportadas com toda a segurança. Esse material quase deixou o Brasil há alguns anos. Nada impede novas tentativas’’, teme o delegado.
Especialistas acreditam que as peças sejam vendidas para atravessadores por agricultores que encontram os fósseis durante o período de estiagem. ‘‘Eles nem sabem que esse tipo de comércio é ilegal. Não passa pela cabeça deles que os fósseis vão parar nas mãos de colecionadores europeus capazes de pagar fortunas por cada peça enquanto eles recebem alguns trocados’’, afirma o paleontólogo Alexandre Salles. A maioria dos fósseis são de peixes e o valor de cada peça no mercado negro varia de US$ 100 a até US$ 1 mil.
Os fósseis foram retirados da Bacia Sedimentar do Araripe, considerado um dos quatro sítios fossíferos mais importantes do mundo. A região de mais de oito mil metros quadrados, localizada entre os estados do Ceará, Piauí e Pernambuco, atrai centenas de turistas e pesquisadores estrangeiros. Os fósseis do Cariri são explorados desde o século 19, e muitos foram parar em museus da Europa e Estados Unidos.
O retorno das peças para o Ceará é comemorado por pesquisadores, mas não vai fazer diferença para os visitantes do museu de paleontologia. Os fósseis ficarão guardados em uma sala isolada, dentro de caixas, até que a Justiça autorize a instituição a expor o material. ‘‘Por enquanto vamos ser só depositários das peças. Temos que cumprir todo os trâmites burocráticos. Só aí é que vamos permitir que o público tenha acesso’’, explica Salles. A expectativa da direção do museu é que a partir do início de 2005 as peças possam ser vistas pela população.
O museu foi inaugurado em 1988, e atualmente possui um acervo com 1.200 peças expostas em um prédio de dois andares com cerca de 800 metros quadrados. ‘‘Não temos nem espaço para acomodar todos esses 3,5 mil fósseis. Vamos ter que escolher as peças mais antigas, bonitas ou que, de alguma forma, sejam as mais impressionantes’’, informa Salles. Estudioso do assunto, ele não esconde o fascínio pelo tema e comenta a enorme dificuldade de cumprir a tarefa de colocar um fóssil em exposição em detrimento de outro: ‘‘É tudo muito interessante’’, afirma.