21/01/2004 11h04 – Atualizado em 21/01/2004 11h04
O projeto Terra, Teatro e Cidadania realiza a última oficina entre os dias 15 e 21 de fevereiro no CEPEGE (Centro de Estudo e Pesquisa Geraldo Garcia), em Sidrolândia. Desde maio, participantes do MST-MS (Movimento dos Trabalhadores Sem Terra) estão aprendendo técnicas básicas de teatro com a atriz e diretora Andréa Freire. As atividades têm o apoio do Governo do Estado e da Lei Federal de Incentivo à Cultura.
Tudo começou no ano de 1999, quando o grupo Utopia de teatro, pioneiro dentro dos assentamentos rurais de Mato Grosso do Sul, começa a unir acampados e assentados em torno da arte. “Na verdade o próprio debate fica muito cansativo e através do teatro a gente consegue prender a atenção do público”, diz Jusceli dos Santos, o Garganta, 31 anos, componente do Utopia.
Para Garganta, a arte é um mecanismo que ajuda muito na permanência da juventude no campo. No começo eram apenas seis pessoas do acampamento 17 de Abril, em Nova Andradina , que mesmo enfrentando sérias dificuldades, conseguiram dar a volta por cima. E, em 2000, já com dez integrantes, caminham com os outros companheiros na Marcha Estadual do MST.
Ao longo dos 35 dias de percurso entre Bataiporã e Campo Grande, 11 mil alunos das escolas por onde passavam assistiram às apresentações. Tudo isto apesar de uma certa resistência por se tratar de um grupo teatral ligado a um movimento social, mas após a apresentação o cenário se modifica. “Num primeiro criticam porque é do MST, mas depois abrem para debate e acabam se interessando pelo que a gente faz”, afirma Edson Pereira Gregório, 18 anos, do acampamento do 17 de Abril.
Em 2001, com o risco que a Alca (Área de Livre Comércio da Américas) representava para o Brasil, surge um novo desafio para o Utopia: como trabalhar o tema para apresentações teatrais e estar preparados para esclarecer as perguntas que viriam. Surge a peça “Alcapeta”, que alcançou 15 mil espectadores. Com o sucesso surgiram convites de todo o Estado, só em Dourados, 32 escolas pediram o retorno da peça.
Dos resultados positivos, nasce o projeto Terra, Teatro e Cidadania. Desta forma começa a primeira oficina estadual, sob coordenação dos monitores Andréa Freire e Rafael Vilas Boas. Em Campo Grande, durante o mês de maio de 2003, cada regional enviou seis pessoas para se tornaram multiplicadores da idéia. Os 36 participantes ficam encarregados de realizar em suas regionais oficinas de seis dias. Cinco oficinas já foram realizadas e só estava faltando esta, a da regional Centro, que será realizada em fevereiro em Sidrolândia.
Do Utopia, agora o MST conta, também, com apoio dos grupos Águias da Fronteira, Mensageiros da Cultura, Frutos da Terra, Raízes Camponesas e Lamarca da Cultura para divulgar suas lutas.
Somando, já existem 54 peças constituídas por estes grupos. São 23 só do Teatro do Oprimido, técnica criada por Augusto Boal na década de 70, em que a peça é composta por um problema que a platéia deve resolver. “Abre-se para ver se tem condições de criar outro final, para reverter a situação”, explica Garganta. E temas não faltam para os trabalhadores adaptarem à linguagem teatral, sendo muito utilizados a discriminação, Alca, Transgênicos, violência familiar, gênero, reforma agrária e outros problemas que afetam todo o Brasil, com soluções que parte não dos atores, mas do público. O Teatro do Oprimido é utilizado em 60 países, principalmente pela América Latina, e começa a ganhar seguidores também na Europa.
Hoje, o setor de Cultura do MST-MS é composto por mais de 300 pessoas que desenvolvem atividades culturais por todo o Estado. E, nos dias 24 a 28 de março, acontecerá o Encontro Estadual do Setor de Cultura do MST, em que são esperados 250 participantes.
POESIA DO GARGANTA:
Desigualdade Social
Povo brasileiro
Pra vocês eu vou contar
À nação peço licença
Eu preciso revelar
Toda noite eu perco o sono
Com isso no pensamento:
Era um lugar desumano
Cada vez mais sofrimento
Parecia um pesadelo
Outra hora um sonho real
Eu sonhei que um país
Tinha desigualdade social
No meio da multidão
A diferença percebia
Havia discriminação
Com a chamada maioria
Se tinha muita fartura
No comércio onde eu andava
Muita gente circulando
Mas eram poucas as que comprava
Vi chegar uma criança
Logo perguntei o seu nome
Respondeu com desconfiança
E disse: moço eu estou com fome
Coloquei a mão no bolso
E lhe dei um trocado
Com jeito simples disse: moço
Ao senhor muito obrigado
Encontrei outros meninos
Bem vestidos indo à escola
Mas a frente na esquina
Havia outros cheirando cola
Conheci muitas favelas
Lá a violência era estampada
No meio a tanta miséria
E as famílias assustadas
Uma onda de seqüestro
Também trouxe aflição
Ninguém sabia ao certo
Como fazer sua proteção
Eram muitas as ocorrências
No meio a tanta denúncia
Culpados em liberdade
E o povo preso pagando culpa
Cheguei a ver quadrilha armada
Assaltando o povo de dia
E a polícia desnorteada
Sem saber o que fazia
Era tudo diferente
Na cidade havia índio
Cabisbaixo descontente
Maltrapilho feito mendigo
Conheci muitos doutores
Com seu sonho já concreto
Também vi muitos senhores
Jovens semi-analfabetos
Quase não tinham trabalho
Poucos viam o horizonte
Conheci muitos operários
Morando em baixo da ponte
Tinha hotel cinco estrelas
E gente dormindo na calçada
Quem passava ali a beira
Pouca importância dava
Em clínica particular
Era um paciente e dois doutores
Enquanto nos hospitais
Tinham milhares nos corredores
Dava medo a correria
Uma verdadeira loucura
Muitos pacientes ouvia
Pra você não existe cura
Saindo do consultório
Com uma receita e os olhos molhados
Uma mulher disse o dinheiro
É o remédio mais receitado.
Composição: Jusceli dos Santos, o Garganta de Ouro.
Acampado do 17 de Abril, em Nova Andradina (MS)
Fonte:MS Noticias