28/12/2004 08h51 – Atualizado em 28/12/2004 08h51
A tarde online
Faltou somente a ginga do mestre entre os alunos e amigos. Os pés cansados não deixaram a festa ser completa, mas o fato não chegou a macular as comemorações dos 87 anos de uma lenda: João Pequeno de Pastinha, o mais velho mestre de capoeira em atividade no mundo.
A celebração aconteceu ontem à noite, no Forte de Santo Antônio Além do Carmo, Centro Histórico, lugar onde ele ainda hoje mantém o Centro Esportivo de Capoeira Angola. Familiares e amigos (alguns mestres, alguns alunos, outros apenas admiradores) estavam lá.
Só a título de curiosidade, mestres de diversas gerações como Curió, Boca Rica, Lua de Bobó, Zé do Lenço, Barba Branca, Ferreirinha, Gildo Alfinete, King Kong, Ciro, Pelé do Tonel, Borracha, Boa Gente, Ministro, Bola Sete se misturavam entre outros colegas, para participar de mais uma roda, mais uma homenagem, àquele que formou e ainda irá formar muitos outros capoeiristas.
“Eu posso dividir a minha vida em duas partes: a espiritual eu devo a Jesus Cristo. A parte material eu devo à capoeira. Se Deus ainda quiser, verei muitos outros capoeiristas saírem daqui com a formação me dada pelo mestre Pastinha, que além de tudo formava cidadãos”, comentou o aniversariante.
Além da festa, uma placa imortaliza o célebre local de meditação do professor antes de cada aula. “Resolvemos colocá-la num dos lugares preferidos do mestre. Ali, ele todos os dias se senta, medita e só assim entra pára começar a roda. É uma tradição, como tantas que só a capoeira evoca e mantém viva através dos séculos e das nações”, explica o diretor do Instituto do Patrimônio Artístico e Cultural da Bahia (Ipac), José Augusto de Azevedo Leal, justificando que somente no Brasil mais de sete milhões de pessoas praticam a capoeira e ela ainda está presente em 136 países espalhados por todos os continentes.
Sobre a rivalidade entre a capoeira angola e a regional o mestre deixa a sabedoria. “A capoeira é muito maior do que isso. O importante é sempre estarmos unidos, jogando com o corpo e com a cabeça e buscando manter nossas tradições e a paz”, garante.
Braço forte do mestre Pastinha
Nascido João Pereira dos Santos, o mestre se tornou “Pequeno” depois que deixou as aulas do mestre Gilvenson e se tornou um dos braços de mestre Pastinha, de quem ao lado de mestre João Grande, se tornou continuador. Em 1966, integrou a delegação brasileira no Premier Festival des Arts Nègres, em Dakar, no Senegal. Em 1970, Pastinha profetizou o futuro dos alunos, imortalizado pelos colegas mais velhos, nas paredes do forte. “Eles serão os grandes capoeiristas do futuro e para isso trabalhei e lutei com eles e por eles. Serão mestres mesmo, não professores de improviso, como existem por aí e que só servem para destruir nossa tradição que é tão bela. A esses rapazes ensinei tudo o que sei, até mesmo o pulo do gato”.
Por sua academia passaram alguns dos principais angoleiros da nova geração, todos formados dentro da cultura e das tradições deixadas pelos antigos mestres. O pulo do gato, passado por Pastinha é a sua marca e talvez seja por isso, que quase todas as noites, ainda se é possível vê-lo jogando e ensinando a tradicional arte da capoeira.