01/10/2003 11h08 – Atualizado em 01/10/2003 11h08
*Delcídio do Amaral
“Não podemos ignorar nosso potencial hidrelétrico. Mas, depender tanto do clima, já vimos no que deu: racionamento. A boa notícia é que o consumo de gás natural já é significativo no Brasil. Menos poluente, ele vem para melhorar nosso perfil enérgico, a exemplo do que ocorre em outros países”
O combustível que deu o arranque ao desenvolvimento econômico, como se entende hoje, foi o carvão mineral. Países como a Inglaterra, Alemanha, ou os Estados Unidos, ricos desse combustível, começaram a implantar, ainda no início do século passado, um setor elétrico movido a carvão. O carvão foi o grande instrumento do progresso durante décadas. Até o final dos anos 80, representava 60% das fontes de energia elétrica na Alemanha. Na Inglaterra, mais ainda: 70%. Nos Estados Unidos, 50%. Já a França implantou um agressivo projeto de geração termonuclear em escala. Outros países optaram pelo uso dos derivados de petróleo.
Com o tempo, tornaram-se evidentes os custos sociais e ambientais de se promover o desenvolvimento econômico baseado no carvão, no petróleo ou em usinas nucleares. Nesse quadro é que entra em cena o gás natural. O gás natural apresenta as seguintes vantagens:
1 – não contém compostos de enxofre, presentes no carvão e no petróleo, e que prejudicam as colheitas e provocam doenças respiratórias;
2 – produz menos gás carbônico, o grande responsável pelo efeito estufa;
3 – não gera resíduos de óxidos de nitrogênio.
O gás provocou, na verdade, uma nova revolução industrial. O início dessa revolução foi marcado pela construção de extensos gasodutos cortando a Sibéria ou o Norte da África. Esses gasodutos, mais a produção em plataformas off-shore no Mar do Norte, inundaram a Europa Ocidental.
O panorama da região alterou-se. Hoje, o gás representa mais de 20% na composição da matriz energética da Comunidade Européia. Enquanto isso, a Inglaterra desativava mais de 70% das usinas a carvão. Os Estados Unidos, por sua vez, apesar de possuírem as maiores reservas do Planeta, importam gás do México e do Canadá. A participação do gás na matriz americana já atinge 25%.
O Brasil não pode ficar fora dessa revolução. Temos reservas modestas, incompatíveis com o tamanho do país. Mas ao lado está a Bolívia, estufada de gás, e que precisa negociá-lo. O gás é responsável por cerca de 80% das exportações do país vizinho. Assim, foi construído o gasoduto Bolívia-Brasil.
Esse gasoduto pode disponibilizar 30 milhões de metros cúbicos por dia. Somando-se seus ramais direcionados para as regiões Sul, Sudeste e Centro-Oeste ao gás das bacias de Campos e de Santos, chegamos aos 50 milhões de metros cúbicos diários. Não é desprezível. A cifra representa a metade da produção da Argentina, onde o gás é responsável por 40% da matriz energética.
O “apagão” de 2000-2001 mostrou que o programa de construções de termoelétricas a gás natural, criticado por alguns, ou dado como irrelevante, deveria ter sido planejado e implantado muito antes que os efeitos do racionamento se manifestassem de forma dramática. Ou seja, a revolução do gás chegou ao Brasil. Meio desajeitada, mas chegou. Claro que o Brasil não pode abandonar seu extraordinário potencial hidrelétrico. A energia proveniente da hidroeletricidade continuará sendo predominante na nossa matriz energética. A geração termelétrica a gás natural, carvão e óleo não competem, mas complementam e otimizam nosso sistema energético. Todavia não se deve esquecer que os custos da energia produzida pela água vêm aumentando a cada dia.
E são exatamente custos sociais e ambientais, como o impacto produzido na natureza pelo alagamento de vastas extensões transformadas em reservatórios, ou pelo simples desvio de um rio, que podem alterar, em certos casos, todo um ecossistema. Ainda há muito pouco tempo convivemos com a angústia do racionamento de energia. A necessidade de poupar incorporou-se ao dia-a-dia do brasileiro. Ele aprendeu a economizar e consome hoje cerca de 30% menos do que antes. A hidrologia tem sido favorável. Há quem aposte que não existe risco de um novo racionamento nos próximos dois anos.
Não somos pessimistas. Mas gostaríamos de lembrar que o Plano Plurianual (PPA), que o Congresso Nacional se prepara para discutir, abrange um percurso que nos leva bem mais longe, até 2007. Ao longo desse percurso, o país precisa estar preparado para crescer a índices elevados.
O governo do presidente Lula está, neste momento, negociando com o governo boliviano novos preços para o gás importado, atualmente remunerado em dólares. Esperamos que essas negociações, mais providências internas que poderão ser tomadas no bojo da reforma tributária, tornem o gás cada vez mais acessível.
Estamos convencidos de que um planejamento consistente da nossa economia, capaz de gerar empregos e de trazer para o país relevantes ganhos sociais, não pode ignorar a revolução do gás natural. Não podemos depender mais de São Pedro. Esse tempo já passou. Esse tempo já passou.
Delcídio do Amaral é senador da República pelo PT/MS