07/04/2006 07h38 – Atualizado em 07/04/2006 07h38
Congresso em Foco
Uma pesquisa inédita realizada pelo Interlegis, sub-secretaria do Senado, dissecou a realidade das câmaras municipais de todo o país e confirmou o que, para muitos, era uma suspeita antiga: os vereadores brasileiros não estão preparados para desempenhar a missão para a qual foram eleitos. O I Censo do Legislativo, cujos primeiros dados foram divulgados esta semana, revela que os problemas das câmaras municipais começam nas instalações físicas, passam pela falta de qualificação dos servidores e desembocam no desconhecimento dos legisladores em relação aos limites legais de suas atribuições. “Eles (vereadores) não sabem os limites de suas atribuições. A maioria faz promessas para os eleitores que só poderiam ser cumpridas por senadores ou pelo presidente da República”, avalia o cientista político e professor da Universidade de Brasília (UnB), Paulo Kramer, que participa, desde ontem, dos debates promovidos pelo Interlegis sobre os resultados do Censo.Durante quatro meses, 230 recenseadores percorreram mais de cinco mil quilômetros cada para visitar os 5.414 municípios pesquisados e ouvir relatos de vereadores e deputados estaduais sobre os problemas que atingem suas respectivas casas legislativas. Os dados sobre as assembléias legislativas estão sendo compilados e, por isso, ainda não foram divulgados. Desconhecimento legislativoOs vereadores responderam a um extenso questionário, que buscava informações desde a idade, o sexo, a filiação partidária, a escolaridade até o grau de conhecimento do parlamentar sobre a produção legislativa. A maioria demonstrou não saber distinguir o que é de competência municipal do que é atribuição das esferas estadual e federal. “Eles acabam legislando sobre coisas inócuas, como mudar nomes de ruas e oferecer títulos de cidadão honorário. Do pouco sobre o qual podem atuar, eles não sabem”, ressalta Kramer. O professor da UnB ressalta que uma das ações mais importantes do Legislativo é justamente fiscalizar os atos do Executivo para ver como o dinheiro público está sendo gasto. Mas, segundo o analista, ou vereadores não sabem mesmo disso ou não querem usar as ferramentas de fiscalização.O cientista político lembra que compete aos vereadores legislar, por exemplo, sobre defesa do consumidor e meio ambiente. Eles podem estabelecer locais adequados para depósitos de lixo ou proibir os despejos de dejetos no rio que abastece a cidade. Têm, ainda, atribuição para legislar sobre trânsito, podendo determinar obras de sinalização ou empreender campanhas de educação do trânsito. “Mas eles entendem mesmo é da construção de quebra-molas”, lamenta Kramer. Vereadores sacrificadosA União dos Vereadores do Brasil (UVB), no entanto, diz que a coisa não é bem assim: “Isso é uma inverdade. O fato é que o vereador é o grande sacrificado nessa história”, diz o procurador jurídico da UVB, César Assis. O advogado ressalta que os vereadores têm atribuições amplas que ultrapassariam os limites do Legislativo, como prestar assistência social à população. Segundo Assis, o Poder Executivo tem manipulado a mídia contra os vereadores. “Nem a revolução de 64 (o golpe militar), a redentora, fechou as câmaras municipais”, diz Assis.O representante dos vereadores ressalta que a maioria dos legisladores municipais é de origem simples e enfrenta, além da pressão direta do eleitor, as limitações impostas pelas baixas dotações orçamentárias e, em muitos municípios, pela distância dos grandes centros. “A UVB promove seminários de esclarecimentos sobre o papel dos vereadores. E, além disso, os cursos do Interlegis têm contribuído para a educação e o treinamento dos vereadores. É um processo lento, mas real”, diz o advogado.Um dos coordenadores do Censo, Jales Ramos Marques observa que a maioria dos vereadores tem noções básicas de política, mas não sabe como funciona o processo legislativo. “Muitos chegam à câmara no primeiro mandato. Não sabem diferenciar um requerimento de um projeto de lei”, observa o cientista político, que é funcionário do Senado.Marques explica que as deficiências de recursos humanos qualificados das câmaras municipais dificultam o trabalho dos vereadores que chegam sem experiência parlamentar. E, para agravar o quadro, eles não contam com um assessor experiente que possa lhes dar os caminhos das pedras, uma prática comum no Congresso. Fuga para a igrejaUm episódio contado por Jales Marques ilustra com propriedade a dependência das câmaras municipais em relação às prefeituras. No ano passado, em uma cidade do Triângulo Mineiro – cujo nome ele preferiu não identificar – o prefeito simplesmente expulsou os vereadores da prefeitura, já que a câmara municipal também funcionava lá. Como ele não tinha hegemonia sobre os vereadores, que votavam contrariamente aos projetos de lei do Executivo, proibiu que continuassem se reunindo na sede do Executivo. Para mostrar à população que pretendiam continuar trabalhando, os vereadores se instalaram sob uma jaqueira na praça principal da cidade. Em retaliação, no dia seguinte, o prefeito mandou derrubar a jaqueira. Os vereadores, então, correram para um local que o adversário não poderia destruir, sob pena de cometer sacrilégio. Com a permissão do padre, passaram a votar as leis municipais na igreja da cidade. Independência ameaçadaCômica, não fosse trágica, a situação crítica do município mineiro não deixa de espelhar uma realidade comum a muitas cidades brasileiras. Em 1.185 (21,9%) dos 5.414 municípios pesquisados pelo Censo, a prefeitura e a câmara municipal dividem o mesmo prédio. A dependência entre o Executivo e o Legislativo, ressalta Paulo Kramer, nem sempre se limita ao espaço físico. “Na prática, as câmaras acabam funcionando como apêndices do prefeito, que comanda os vereadores”, observa o professor.O professor Alexandre Barros, coordenador do mestrado em Ciência Política do Centro Universitário Unieuro, em Brasília, ressalva, contudo, que esse é um dado isolado para medir o grau de independência entre os dois poderes. O mais importante, segundo ele, é medir o comportamento dos vereadores em relação aos prefeitos. “Nos Estados Unidos, em alguns estados da Federação, é comum a prefeitura dividir o prédio com a sede do parlamento. Isso em princípio não compromete, mas pode ser preocupante”, avalia Barros. Para César Assis, da UVB, a hegemonia dos prefeitos sobre as câmaras municipais está se diluindo. “Com o orçamento participativo, feito em alguns municípios, os prefeitos não podem mais impor a lei orçamentária aos vereadores”, comemora.Ao contrário do que se possa supor, o compartilhamento de espaço físico entre prefeitos e vereadores não está necessariamente condicionado à condição econômica do município. No Sul, por exemplo, apenas 66% das cidades têm prefeitura e câmara municipal em prédios separados. Enquanto isso, no Norte e no Nordeste, regiões mais pobres do país, esse índice é de 86%. O estado com maior número de prédios próprios de câmaras municipais é Rondônia, com 97,6% de sedes independentes do Executivo.Paulo Kramer acredita que o baixo percentual de câmaras com instalações independentes no Sul tenha relação com o longo período em que Júlio de Castilhos esteve à frente do poder no Rio Grande do Sul. Eleito presidente do Estado em 1891, ele controlou o poder no local por três décadas, quando impôs um Executivo autoritário e centralizador. “As câmaras de vereadores funcionavam uma vez por ano para votar os orçamentos e fiscalizar as contas públicas”, conta o cientista político. Já o elevado número de prédios próprios em Rondônia é atribuído por ele à “juventude” do estado, criado no início da década de 80, que recebeu muitos recursos do governo federal e migração dinâmica de outras regiões do país.Instalações precáriasAo contrário dos colegas deputados e senadores, 81,5% dos vereadores brasileiros dividem seus gabinetes uns com os outros. Ga
binete individual, como têm os congressistas é privilégio para poucos legisladores municipais. Em 147 câmaras com sede própria, o prédio não possui sequer plenário para as votações.O Censo do Legislativo traz, ainda, outro dado curioso sobre as instalações físicas das câmaras: em alguns estados é mais fácil encontrar uma com computador do que com linha telefônica. É o que ocorre na região Nordeste, onde 95,8% das câmaras estão informatizadas e apenas 85,7% têm telefone fixo. Em todo o país, 74,3% das câmaras têm conexão com a internet, mas 7,2% não têm linha telefônica.Para Jales Marques, uma das saídas para se reduzir o número de câmaras sem sede própria é a realização de mutirões, com a participação voluntária dos cidadãos. “Sou de Minas Gerais. Lá, temos a tradição dos mutirões. Quando não há outro jeito, erguemos os prédios públicos por meio das cooperativas de cidadãos”, diz o funcionário do Senado. O I Censo do Legislativo foi realizado para aferir a contrapartida dos investimentos da União e do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), que mantêm o programa Interlegis, desenvolvido desde 1998 para modernizar a estrutura das câmaras e assembléias estaduais de todo o país e aprimorar a formação dos parlamentares e servidores legislativos. “Os dados apresentados vão servir de base para um amplo balanço do funcionamento do Legislativo em nosso país”, avalia o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL).