06/04/2006 10h37 – Atualizado em 06/04/2006 10h37
Reuters
O rapper MV Bill, ex-flanelinha e ex-entregador de sacolas de madame, foi recebido pelos frequentadores da Daslu, em São Paulo, na noite de quarta-feira, para uma espécie de aula sobre o que acontece longe dos muros bem vigiados do maior complexo de luxo do país.Apesar de algumas rusgas entre os convidados durante o debate de lançamento do livro “Falcão — Meninos do Tráfico”, Bill respondeu apenas curiosidades da platéia, sendo poupado de perguntas mais embaraçosas, como por exemplo o motivo de lançar um projeto de apelo social em uma empresa acusada pelo Ministério Público de fraudar impostos.”Achei frio o debate, quando começou a esquentar, acabou o tempo”, disse o VJ Cazé Peçanha. “Não foram levantadas as denúncias de sonegação fiscal, que, no fim, é o que enfraquece o Estado, sangra o Estado. Afinal é dos impostos que vem o dinheiro para gastos como a educação.”O debate aconteceu no quatro andar da Daslu, em um local com colunas e arcos e uma enorme vista panorâmica da Marginal Pinheiros. Entre engravatados e mulheres de salto alto, grupos de hip hop se misturavam, todos vigiados por seguranças e copeiras uniformizadas.Participou também o rapper Aliado G, do grupo Face da Morte, e contou como mediador o jornalista Paulo Lima, editor das revistas da Daslu.Ao final do debate, MV Bill deu autógrafos. Ao ser questionado sobre a possibilidade de ser cooptado por um sistema de empresas ou políticos que querem pegar carona em seu trabalho social, limpando assim a imagem desgastada do passado, o rapper se mostrou ciente do problema. “Eu tomo muito cuidado para não virar massa de manobra, objeto de exploração política, para não servir de ponte para ninguém”, disse. “Quem tem que investigar isso (denúncias do MP) não sou eu. Quando eu busco ajuda com as pessoas, não faço um serviço de investigação para saber como elas estão.”A proprietária da Daslu, Eliana Tranchesi, presa e libertada em julho acusada de crime fiscal, disse que conheceu a Central Única das Favelas (Cufa), do qual Bill participa, em setembro e começou então a parceria de projetos sociais na favela vizinha do Coliseu.”Fui cobrada”, disse Tranchesi sobre a iniciativa de começar a divulgar seus feitos sociais. “Não achava bonito ficar contando. Nós demos mais ou menos 11 milhões nos últimos 20 anos para instituições de caridade, mas minha mãe sempre falava que o que a mão direita faz a esquerda não precisa saber”, afirmou.”Aumentou muito (a pressão depois da prisão), aí eu resolvi contar o que a gente tinha feito nos últimos 48 anos”, continuou, entre uma foto e outra com MV Bill e as crianças da creche dos funcionários da Daslu. ATIVISTAS EM MINORIAO debate começou por volta das 21h e os autógrafos foram até mais de 23h. No primeiro estresse da noite, na hora das perguntas, um garoto de um movimento hip hop foi tirar satisfações com um homem que havia argumentado que o público frequentador da Daslu também era vítima do tráfico por não poder andar tranquilamente nas ruas com seus carros e relógios.Na segunda exaltação da platéia, uma mulher levantou a questão do evento acontecer dentro de um “templo consumista”, “símbolo da desigualdade e da violência social”, quando uma moradora da comunidade Coliseu pegou o microfone para defender a dona da Daslu, sentada ao seu lado.”MV Bill e Eliana foram os primeiros a entrarem naquela favela, sozinhos”, disse. “Ela subiu lá em cima, no barraco, e disse que se ela trabalhasse e tivesse que limpar a casa, ela não seria tão limpa quanto a minha”, disse.Ao fundo da sala, uma ativista tentava aos gritos abafar os aplausos dos entusiastas, chamando todos de “hipócritas”. Uma garota da comunidade discutiu com ela, levantando o dedo e afirmando: “Eliana alimentou meus seis irmãos!”Mas essas discussões mais acaloradas ficaram escondidas no meio da platéia, enquanto MV Bill contava sua saga de oito anos pelas favelas do país inteiro, ao lado de seu colega Celso Athayde, que participou do projeto do livro e o documentário de mesmo nome, exibido há três semanas na TV Globo.”Gostei mais do debate que o Bill fez na Flip (Festa Literária Internacional de Parati)”, disse Ada Pellegrini. “Faltou um cientista político ou social para aprofundar o assunto. Houve um ruído da platéia também, muito barulho, desligamento, um burburinho que atrapalha.”