12/02/2004 09h41 – Atualizado em 12/02/2004 09h41
Grafites que cobrirão tapumes de proteção das praças no Carnaval vão contar a história da formação do povo brasileiro.
Já pensou se o RG dos brasileiros viesse com as fotografias de um negro, um branco e um índio impressas? Se, em vez das tradicionais inscrições, lêssemos identidade baiana e, no centro, uma bandeira negra remetesse-nos à verdadeira história de miscigenação do povo tupiniquim? Essa identidade nada convencional pode nunca se tornar oficial, mas estará entre os 20 painéis que cobrirão com muita cor e história os tapumes de proteção das praças públicas de Salvador.
Na quarta-feira, os idealizadores dos grafites selecionados pela Universidade do Estado da Bahia (Uneb), para figurar a decoração do Carnaval deste ano, começaram a dar vida a suas criações.
O primeiro espaço a ficar pronto foi a Praça da Piedade. Local onde o estudante de artes plásticas de Universidade Federal da Bahia (Ufba), Marcos Costa, autor da Identidade brasileira, deixou sua marca para a festa deste ano. Os 20 desenhos selecionados para integrar esse grande painel cultural saíram de um montante de 98 trabalhos de grafiteiros baianos, retratando o tema do Carnaval de 2004, Viva o povo brasileiro.
Concurso que, para a coordenadora do projeto, Merina Aragão, contemplou de forma democrática os grandes trabalhos desenvolvidos para decorar o Carnaval. “Acho que a escolha foi muito justa. Ficamos muito satisfeitos com o resultado final. Ficou muito bonito”, afirmou. Cada um dos 20 desenhos selecionados recebeu um prêmio de R$500 da Empresa de Turismo S/A (Emtursa).
Da emoção de ter seu desenho coadjuvando a maior festa popular do mundo, Marcos Costa ainda está sentindo os primeiros calafrios. “Acho que vai ser mais interessante quando isso aqui tiver cheio de gente e os nossos desenhos forem parte da paisagem do lugar”, comentou, momentos antes de iniciar a grafitagem. “Quanto ao projeto que desenvolvi para esse painel, a idéia é fortalecer a figura do negro, do sertanejo e do índio, figuras de pouco destaque na sociedade, reforçado pela visão separatista do sistema”.
Além do desenho de Marcos Costa, painéis que retratam a história de Lampião e a força do sertanejo, das baianas, da capoeira, do samba, e de nomes como João Ubaldo Ribeiro – homenageado pela folia deste ano -, serão retratados no trabalho desses jovens artistas. Temas como o futebol, as favelas e tradicionais manifestações populares, como o bumba-meu-boi e as quadrilhas juninas, também estão presentes nas ilustrações.
Mas não é só o glamour de ter um desenho de sua autoria na decoração do Carnaval de Salvador que estimula os grafiteiros. A oportunidade de mostrar um pouco mais da história e da cultura dessa arte milenar, é considerada por eles a força impulsionadora desse trabalho. “O contato do grafite com o público que esse trabalho proporciona é muito importante, principalmente para acabar com o estigma marginal que ele carrega”, afirmou o grafiteiro Fábio Santos, 25 anos, mais conhecido como Bob.
Fábio é arte-educador na comunidade de Saramandaia, onde vive com a família e afirma que a grafitagem pode ser um importante viés de resgate da auto-estima para jovens carentes de Salvador. “O grafite é arte e a arte precisa ser vista como meio de resgate social dos jovens e não como meio marginalizador”.
Fonte:Correio da Bahia