15/12/2003 09h04 – Atualizado em 15/12/2003 09h04
São Paulo – O novo modelo do setor elétrico decretado por medida provisória pelo governo Lula na semana passada, levantou dúvidas entre especialistas quanto à sua eficácia. Essas questões foram submetidas no programa Espaço Aberto, da Globo News, a Cláudio Sales, presidente da Câmara Brasileira de Investidores em Energia Elétrica (CBIEE), e ao deputado Eduardo Gomes, membro da Comissão de Minas e Energia da Câmara.
De acordo com o governo, um dos principais objetivos das novas regras é reduzir as altas tarifas cobradas atualmente dos consumidores. Mas como fazê-lo e, ao mesmo tempo, assegurar os investimentos privados? Será possível agradar ambas as partes?
Com o novo modelo será criada mais uma estatal, a Empresa de Pesquisa Energética, que cuidará do planejamento e expansão do setor. As novas hidrelétricas terão que obter licença ambiental antes da licitação, e as distribuidoras serão obrigadas a comprar toda a energia produzida. Não será mais permitida a venda de energia da usina geradora para a distribuidora do mesmo grupo. Uma câmara de compensação vai administrar o rateio de energia, buscando tarifas mais baixas. Com as mudanças nas regras de licitação de novas usinas, vai ganhar quem oferecer a tarifa mais baixa e não o melhor preço para a concessão. Será que todas essas mudanças vão afastar definitivamente o risco de um novo apagão, conforme prometeu o presidente da República?
Modelo estatizante?
Segundo Sales, as críticas dos investidores não se dirigem aos aspectos técnicos do modelo. Embora a entidade que preside ainda esteja analisando o documento, a grande questão remete à excessiva concentração de poder do governo sobre o setor elétrico. “Esse é um problema grave, sobre o qual nós estamos realmente preocupados”, disse. Para o deputado Eduardo Gomes, a medida provisória ainda será debatida no Congresso, o que só ocorrerá no próximo ano legislativo, embora ela passe a vigorar a partir de sua edição. “Se houve tempo para preparar no Ministério (das Minas e Energia) o novo modelo, era preciso que essa discussão fosse mais intensa. Nós já estamos analisando os aspectos constitucionais, e há uma preocupação quanto ao efeito dessas medidas e à possibilidade de que possam atrair ou não os investimentos”, disse Gomes.
O volume de investimentos
Cláudio Sales lembrou que um estudo recente, feito pela Tendências Consultoria Integrada, mostrou que são necessários cerca de 20 bilhões de reais por ano, em média, na próxima década, de investimentos no setor elétrico. O estudo diz ainda que a área pública, só pode gastar cerca de 9 bilhões por ano: 4 bilhões de investimento público direto, outros 4 de investimentos do BNDES e de empresas estatais, e cerca de 1 bilhão de organismos multilaterais. “Portanto, restam 11 bilhões para investimentos privados. E os empresários estariam dispostos a colocar esses 11 bilhões? Certamente que não, se mantida a concentração de poder no governo.”
Regras estáveis
O presidente da CBIEE acentuou que o retorno de investimentos em projetos no setor é de “longuíssima maturação”, daí os contratos de concessão serem de, no mínimo, 30 anos. “Para atrair investimentos privados, as regras têm de ser estáveis. Por outro lado, o governo, pela natureza do processo democrático, é susceptível a pressões políticas. O bom governo é aquele capaz de interpretar as demandas políticas do momento e reagir a elas. Se você concentra o poder sobre o setor elétrico nas mãos do governo, você está criando uma comunicação direta entre essas pressões políticas e as regras do setor. Isso não é absolutamente positivo em termos de atrair investimentos privados.”
Marco regulatório
Para o deputado Eduardo Gomes, essas discussões vão crescer de intensidade quando a MP for submetida ao Congresso. “Pode ter certeza de que as correntes, os pensamentos virão à tona, no sentido de criar um ambiente favorável (para o investidor). Mas é preciso entender que o novo modelo está trazendo um questionamento muito forte sobre o marco regulatório. E isso não está acontecendo, não está sendo discutido, tanto no projeto do novo modelo e da nova agência reguladora.”
Estado e governo
Sales ressaltou que é preciso ter em conta, na regulação do setor elétrico, que o Estado é permanente e que os governos são transitórios. “O Estado representa a sociedade brasileira; os governos se sucedem. E o governo, como disse antes, dentro de seu mandato, tem de reagir às pressões políticas do momento. Essa é que é a sutileza, mas importantíssima, para a percepção do que está sendo feito. Ou seja, que se pretenda um Estado que tenha força suficiente para fazer com que suas instituições, como as agências reguladoras, sejam sólidas e com independência suficiente para garantir a perenidade dos investimentos.”
Segundo disse, foram tantas as mudanças de regras feitas pelo governo anterior e pelo atual, que as empresas do setor ficaram fortemente vulneráveis e a conta acabou sendo paga pelo consumidor. “Nós vivemos o seguinte paradoxo: o consumidor brasileiro já não tem mais condições, por suas características de baixa renda, de arcar com aumentos nas tarifas de energia. Por outro lado, a tarifa que paga, e ele mal tem consciência disso, tem uma série de custos – tributários, taxas específicas do setor, subsídios. Esse novo modelo cria uma série de entidades, de empresas novas que vão ser subsidiadas pela tarifa. Essas coisas vão sendo agregadas ao custo da energia, de forma que a parcela que vai definitivamente para a geração e a distribuição está sendo esmagada.”
Fenômeno perverso
Na avaliação do presidente da CBIEE, um fenômeno perverso acabou sendo gerado. “As empresas vão ficando sem condições de arcar com seus custos e de fazer investimentos, e ao mesmo tempo, quem arca com esse ônus todo, que é o consumidor, fica sem condições de pagar. Esse problema não está atacado no novo modelo. O que existe é uma promessa de reduzir o preço das tarifas. (…) Mas eu quero até acreditar, porque o tempo que se passou desenvolvendo isso (o novo modelo), sei que no final o governo agregou em sua equipe alguns técnicos absolutamente respeitáveis e com experiência, eu quero acreditar que esses mecanismos sejam virtuosos. Mas, de qualquer forma, eles se endereçam apenas à expansão, às novas usinas. O problema do custo do setor transcende, em muito, a isso.”
Fonte: Estadão